Na última quinta-feira (08), a Rainha Elizabeth II da Grã Bretanha faleceu em Balmoral, na Escócia, e o seu reinado de mais de setenta anos foi encerrado. No sábado (10), o seu filho, agora Charles III, foi oficialmente proclamado o novo rei no Parlamento.
Charles assume a coroa britânica em um momento em que, cada vez mais, questiona-se a sua validade. Para além de uma agenda cheia de compromissos e convites irrecusáveis, o novo rei encontrará dificuldades para se estabelecer como líder de um sistema, cuja existência parece não fazer mais sentido para uma parcela grande de britânicos, principalmente os mais jovens. Além disso, ele terá que se esforçar para conquistar a simpatia dos súditos, entre os quais está longe de ser unanimidade. Tudo isso sob a sombra de sua mãe, a soberana mais longeva da história.
A Monarquia ainda tem apoio da maioria no Reino Unido?
Segundo estudo conduzido pelo instituto de pesquisa YouGov, por ocasião do Jubileu de Platina da Rainha, 62% dos entrevistados apoiavam a continuidade da monarquia em junho de 2022. Todavia, entre pessoas com idade de 18 a 24 anos, esse número diminuía para 31%. A maioria dessa faixa etária, 41%, acreditava que o país deveria eleger um chefe de Estado.
Essa pesquisa foi realizada ainda no reinado de Elizabeth II e especialistas apontam para uma provável queda na aceitação do regime decorrente do seu falecimento. Muitos britânicos tinham apreço e carinho única e exclusivamente pela figura da rainha. Como o inglês Niall Gooch escreve no portal UnHerd, “A popularidade pessoal de Elizabeth II pode não se traduzir em afeição duradoura pela Coroa como instituição e tudo o que representa”.
Conforme outra pesquisa do YouGov, também de junho de 2022, 75% dos entrevistados diziam gostar da rainha, enquanto apenas 43% gostavam de Charles. Em um ranking de popularidade de membros da família real, o novo rei aparece em sétimo, atrás, por exemplo, de seu herdeiro William.
Insatisfações da juventude com a monarquia
O Republicanismo surgiu na Inglaterra no século 16, desde então, reúne pessoas que desejam o fim da monarquia pelos mais variados motivos. Como colocado acima, atualmente, a maioria dos defensores desse movimento se encontram em uma faixa etária mais nova.
Entre as diversas críticas feitas pela juventude à monarquia, muitos argumentam que as bases que sustentam o regime são anacrônicas, ou seja, vão de encontro à realidade e mentalidade atual do povo britânico, justamente por advirem de uma época bastante distante. A manutenção com dinheiro público de uma monarquia cristã, com origens medievais, fundamentada no direito divino de governar e na hereditariedade, parece não fazer mais sentido no século 21 para essas pessoas.
Outra base da monarquia amplamente questionada pela nova geração é a sua ligação com o passado imperialista recente do país. Quando a Rainha assumiu o trono, em 1952, o Império Britânico tinha mais de 70 colônias espalhadas por todo o mundo. A Índia havia conquistado a sua independência há apenas 5 anos, em 1947.
Mesmo que o Império Britânico tenha acabado há mais de 20 anos, em 1997, com a devolução de Hong Kong para a China, a memória das atrocidades cometidas em nações africanas e asiáticas permanece viva nos povos desses países, apesar da recusa, em diversos momentos, por parte da Família Real em reconhecê-las. No Reino Unido, jovens lideranças, descendentes de famílias devastadas pelo imperialismo britânico, têm promovido a consciência anticolonial e também o fim da monarquia.
Ainda, há muitos jovens provenientes de regiões do Reino Unido que nunca aceitaram o regime. Na Escócia, no País de Gales e na Irlanda do Norte, a monarquia é, para vários indivíduos, sinônimo de perda de autonomia e de apagamento cultural, devido aos conflitos que, historicamente, resultaram na submissão desses territórios à Inglaterra.
Os escândalos recentes na Família Real também contribuíram negativamente para a sua popularidade entre os mais novos. A denúncia de Meghan Markle e de seu marido, o Príncipe Harry, sobre o racismo sofrido na Família Real, tanto por ela como por seu filho, foi tida como intolerável por muitos britânicos.
A acusação sofrida em 2019 pelo Príncipe Andrew, irmão de Charles, de abuso sexual de uma menor de idade fez com que ele fosse afastado da vida pública e que a Rainha retirasse os seus títulos militares. Mesmo assim, o episódio provocou uma crise moral na monarquia, da qual ela ainda não se recuperou.
Além disso, as dificuldades econômicas pelas quais o Reino Unido está passando recentemente, decorrentes, sobretudo, do Brexit, da pandemia e da guerra na Ucrânia, favorecem um clima de incerteza e insatisfação no país que pode culminar com uma mudança de sistema político.
Como Anthony Lane escreve na revista New Yorker, “O país que ela (Rainha) deixa para trás está pouco à vontade consigo mesmo, e está em aberto se o governo, liderado por Truss ou por qualquer outra pessoa, será capaz de restaurar a harmonia. A inflação está crescendo como um tumor. A instabilidade industrial é preocupante. Tão alarmante quanto é o aumento dos custos de energia diante de um inverno que se aproxima”.
O colunista levanta outros questionamentos acerca do futuro da monarquia no Reino Unido. “Por debaixo de tudo isso, se esconde um medo maior: em quanto tempo o Reino Unido se tornará uma contradição? Um dos deveres mais importantes da Rainha era agir como um unificador-chefe, e, com a remoção de sua mão guia, as divisões só podem se aprofundar. Embora ela tenha morrido em Balmoral, na Escócia que ela tanto amava, a campanha pela independência escocesa agora encontrará um novo impulso? E a Irlanda do Norte? E gales?”.
Restrições quanto à figura de Charles
Charles, ao contrário de sua mãe, nasceu para ser rei. E teve mais de 70 anos para se preparar. Apesar disso, muitos duvidam de que ele será um substituto à altura de Elizabeth II.
Desde seu nascimento, o príncipe esteve sob os olhares atentos do povo e da imprensa britânica. Ao longo de sua vida, se envolveu em inúmeras polêmicas, as quais lhe renderam uma fama controversa.
Um dos episódios mais definidores de sua imagem pública foi o casamento com Diana Spencer, a Lady Di, e o divórcio, 16 anos depois. Durante o processo de separação, surgiram rumores de que o motivo por detrás dele seriam as constantes traições de Charles, algo que foi depois confirmado por Diana. A reputação de traidor veio junto da sensação de que o príncipe não sabia muito bem o seu lugar na Família Real e estava infeliz.
Além disso, o estilo de vida luxuoso que ostentou durante boa parte de sua juventude e vida adulta lhe rendeu acusações de ser arrogante e insensível com as demandas populares.
Depois de mais velho, contudo, sua imagem mudou para melhor, segundo historiadores. Mark Landler escreve ao New York Times: “tendo envelhecido de um jovem desajeitado e inseguro para um um marido infeliz de meia-idade, Charles tornou-se, aos 73 anos, uma eminência autoconfiante, de cabelos grisalhos, mergulhada em causas como mudanças climáticas e proteção ambiental, que antes pareciam excêntricas, mas agora estão peculiarmente em sincronia com os tempos”.
O fato de estar envolvido com mais de 400 instituições de caridade ao redor do mundo e de ser reconhecido como um dos membros da Família Real que mais trabalha também atribuiu um ar de sensibilidade e de nobreza de espírito à sua imagem, algo que foi essencial para a popularidade da Rainha Elizabeth II durante o seu reinado. Contudo, notícias recentes de doações milionárias vindas de doadores questionáveis levantaram novas dúvidas sobre o seu caráter.
Na primeira semana como rei, Charles foi chamado de “fresco” e temperamental após a viralização de vídeos em que ele aparece desconfortável com a bagunça de uma mesa e com o vazamento da tinta de uma caneta.
Enfim, a popularidade de Charles tem altos e baixos como a de qualquer figura pública. E, assim como no caso de sua mãe, pouquíssimas pessoas conhecerão, verdadeiramente, como ele é no íntimo.
É certo, entretanto, que para se firmar como rei, ele terá que deixar as polêmicas e os escândalos de lado, pelo menos por um tempo. Só o futuro dirá se ele será capaz de dialogar e convencer uma juventude em grande parte desiludida com a monarquia.
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O artigo acima foi editado por Beatriz Oliveira Testa.
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