No último sábado (17), a população brasileira foi acometida por mais uma comoção nacional: a morte de Silvio Santos, apresentador de TV e dono do da rede de televisão SBT. A “primeira celebridade bilionária brasileira” – como foi enunciado pela Forbes – faleceu aos 93 anos, em São Paulo, Brasil, em decorrência de uma broncopneumonia após infecção do vírus H1N1.
Ao longo do final de semana, sua trajetória dentro e fora da televisão brasileira foi retomada e homenageada, com coberturas especiais, até mesmo, nas grandes emissoras concorrentes, como a Globo. É claro que, ao falar do fim físico de uma figura tão grandiosa quanto a do Silvio, torna-se quase impossível não se lembrar com certa ternura dos momentos, principalmente aos domingos, em que as famílias brasileiras estavam sempre coladas nas televisões acompanhando seus programas e enredos.
Para cada 10 brasileiros, pelo menos 11 devem se lembrar dos avós acompanhando fielmente seus quadros, rindo de suas “palhaçadas” e torcendo para que algo desse certo – fosse a piada ou o sucesso de seus convidados e público.
No entanto, enquanto se deve abraçar os enlutados e acolher seus sentimentos, deve-se também relembrar que a história de Silvio é um forte retrato da sociedade capitalista do Brasil dos séculos XX e XXI, que incentiva a incessante busca pelo sucesso e, ainda, se apropria e explora o atraso de sua população.
caminho trilhado na meritocracia
Senor Abravanel – nome de batismo de Silvio –, começou como camelô nas ruas do Rio de Janeiro, sua cidade natal, em meio à eleição de 1946. Ao ser notado pelos veículos de comunicação, tornou-se locutor e radialista, passando por rádios da Cidade Maravilhosa e de São Paulo. Em 58, passou a administrar o Baú da Felicidade, assumindo, pouco depois, o controle do negócio. Assim, começava a ser esboçado o Grupo Silvio Santos (GSS) que, no futuro, se tornaria um um conglomerado bilionário de grandes marcas.
Estreou o primeiro Programa Silvio Santos em 1963, na TV Paulista, comprada pouco tempo depois por Roberto Marinho, da TV Globo. Silvio continuou no ar pela emissora por mais 13 anos. Durante esse período de sua trajetória, criou também outros projetos para o GSS, a Baú Financeira, que originou o Banco PanAmericano – um de seus grandes objetos de problema nos anos seguintes –, e a Tele Sena.
Em 1976, quando saiu da Globo, inaugurou a TVS. Ao receber novas concessões, a transformou no então Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT, e, em sua estreia, trouxe novamente ao público o programa que leva seu nome. Desse momento em diante, consagrava-se a imagem de Senor não apenas como apresentador e dono de emissora, mas também como empreendedor “nato”.
Claro que é válido que pontuem a carreira de Silvio como de sucesso. Seu apelo humorístico e emocional com o público foi construído com o decorrer dos anos – essa emblemática figura sabia o que falar, criar e fazer para trazer os telespectadores para suas ideias e, talvez, esse seja o grande ponto de seu caminho enquanto comunicador no Brasil.
No entanto, quando a trajetória de Senor é sintetizada em simples frases, como “de camelô a bilionário”, é fácil para que seja compreendida como algo “simples” e “possível para todos”. Esse é o desenho do mito da ideia de meritocracia onde, qualquer um, com esforço e direcionamento, pode sair da pobreza e alcançar o sucesso. A meritocracia não depende apenas de esforço e “força de vontade”, mas também de condições políticas, sociais e econômicas nas quais o sujeito está inserido.
o público
A maior relação de dualidade de Silvio não deve ter sido com sua família e colaboradores, mas, sim, com seu público. Enquanto os agraciava com suas brincadeiras, frequentemente rindo até de si mesmo, a pobreza e a busca pelo dinheiro viravam motivo de entretenimento.
Slogans e singles como “quem quer dinheiro?” e “me dá um dinheiro aí” apareciam várias vezes em seus domingos. O Topa Tudo Por Dinheiro, por exemplo, foi um formato trazido da televisão de fora pelo Silvio – licenciado ao SBT pelo pagamento de seu uso – que explorava a necessidade dos indivíduos pelo aparato financeiro, submetendo-os a situações que beiravam a humilhação. Além desses momentos, o programa possuía também as “câmeras escondidas”, onde realizavam pegadinhas com pessoas “aleatórias”.
Mesmo que, em partes, estes programas possam ter auxiliado algum participante, é preciso entender que as premissas soam, no mínimo, como a política do Pão e Circo: enquanto algo era entregue para o público – nesse caso, o dinheiro –, em troca, eram realizados espetáculos em detrimento de suas necessidades e mazelas, apenas para entreter os demais.
Em outros momentos, os programas ainda eram recheados de comentários e ações racistas, misóginas, xenofóbicas e homofóbicas vestidas de “piadas” – algo comum para muitos programas que, hoje, já não possuem mais força.
Mas, afinal, o que é possível levar dessa figura?
Novamente, é claro que o momento de luto pela morte do Silvio segue sendo válido, visto que sua figura foi expressamente frequente nos domingos da grande maioria dos brasileiros, sejam eles das gerações X ou Z. Senor Abravanel tornou-se um ícone dentre os telespectadores, gerando muitas memórias de afeto, sorrisos, entusiasmos e as mais diversas emoções.
No entanto, sempre que essas grandes figuras surgirem no imaginário da população – sejam elas do entretenimento, da política, do esporte ou de qualquer outro campo –, é preciso levar em consideração quais são seus reflexos para com os indivíduos e, ainda, o que ela lhes gera. Enquanto deve-se homenagear seus marcos e relembrar seus incentivos ao desenvolvimento, também é necessário entender a partir de qual lente burguesa ela está sendo enxergada. Muitas vezes, um retrato de avanço no Brasil é pautado, em grande parte, por capítulos regressistas.
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O artigo acima foi editado por Ana Luiza Sanfilippo.
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