Acompanhar os assuntos que movem São Paulo, a cidade mais populosa da América Latina, significa estar em contato direto com as pessoas que ocupam e transformam o município. Só assim é possível desconstruir a visão branca e masculina que tende a dominar o discurso da mídia sobre megalópoles como a capital paulista.
Um dos jornalistas motivados a repensar esse olhar é André Deak, representante brasileiro no consórcio global universitário Junk Planet, que tem por objetivo refletir sobre como o mundo estará daqui a 300 anos. Para o profissional, a sociedade deve resgatar a sua capacidade de sonhar para lutar por um novo futuro. “É preciso repensar o tempo, a forma como nos conectamos às pessoas, além de desenvolver um pensamento periférico, que foge ao padrão.”
A proposta está ligada ao tema da sua tese de doutorado, intitulada Morte e vida de cidades inteligentes: tecnologia, colonialismo e antropoceno. A pesquisa buscou repensar as tecnologias e seus usos e apropriações nas chamadas smart cities — cidades inteligentes, na tradução em português —, que usam a Tecnologia da Informação (TI) para moldar os serviços públicos e privados.
Em sua análise, Deak constatou que as propagandas fazem parecer que esses centros urbanos são lugares idílicos, quando, na verdade, ainda enfrentam diversos problemas. A partir desse pensamento, o pesquisador emitiu um alerta categórico em sua tese: “não se pode fazer upgrade de uma cidade como se ela fosse um software obsoleto”.
O profissional destaca a necessidade de repensar o futuro de smart cities como São Paulo para tornar esses centros urbanos mais democráticos, na medida em que sejam incluídas ações e tecnologias periféricas, negras, de mulheres, de povos originários e de todos aqueles que hoje estão à margem do discurso das cidades ditas “inteligentes”.
Esse conselho cai como uma luva para repórteres que desejam conhecer a vida real de São Paulo, longe dos prédios fechados das grandes redações. Essa é a “arte de sujar os sapatos”, como bem cunhou o jornalista Ricardo Kotscho, ao falar sobre a importância dos profissionais irem às ruas em busca de histórias.
Numa época em que a capital paulista passa por tantas transformações, a atividade jornalística prática se torna ainda mais recomendada. Uma das mudanças envolve a Lei de Zoneamento, aprovada em dezembro de 2023. Na prática, o projeto orienta o crescimento da cidade e define o que pode ser construído em cada zona, a partir de regras sobre a altura dos prédios e o máximo de barulho permitido em locais específicos, por exemplo.
Ana Luisa Gomes, diretora da OBORÉ, organização que promove cursos modulares de complementação universitária para estudantes de jornalismo, é outra entusiasta da “arte de sujar os sapatos”. Para ela, a Lei de Zoneamento é uma das pautas que deve estar no radar dos jornalistas interessados em acompanhar de perto a megalópole de São Paulo. “É preciso observar o que está sendo alterado. O jornalista deve ter uma visão de raio-x para reconhecer o que o nosso sistema político e econômico representa.”
Sem o olhar crítico e atento da mídia, as demandas da cidade ficam invisibilizadas. No caso da Lei de Zoneamento, as consequências de sua revisão só serão reconhecidas por meio de uma discussão sobre o território. Esse debate, no entanto, não pode tratar São Paulo como um ambiente uniforme, pelo contrário, deve ocorrer em cada bairro da cidade, levando em consideração a grande diversidade que abrange a megalópole.
Para estar nas ruas, André Deak destaca ser necessário entender que as discussões sobre mobilidade, saúde, educação e violência urbana serão conduzidas de forma diferente em cada parte da cidade. “Temos que pensar em São Paulo como um tecido de vidas, não de prédios de concreto. Adiar o fim do mundo é justamente contar outras histórias.”
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Este artigo foi editado por Giulia Howard.
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