O amor sempre foi um dos maiores temas de interesse humano, e entre suas diversas facetas, o relacionamento “falho” é uma das maiores inquietações que perduram na mente humana. A sociedade é rodeada de obras que têm o amor que falhou como objeto de inspiração, como O enterro de Atalá de Anne-Louis Girodet nas artes plásticas e a clássica tragédia Romeu & Julieta escrita por William Shakespeare na literatura.
I Guess I’ll See You In The Movies
Nos últimos anos, o cinema abriu cada vez mais espaço para obras que trazem romances sem finais felizes, como é o caso dos indicados ao Oscar Vidas Passadas (2023), Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019) e o musical La La Land – Cantando Estações (2016). Três obras que, apesar da divergência em gênero, abordam o mesmo tema central: um relacionamento que, por diversas razões, fracassa.
Helena Emerich, psicóloga e psicoterapeuta, enxerga no cinema – e literatura – atual, um movimento de trazer histórias que retratem o que está por trás de uma relação, os altos e baixos. Estas narrativas vão de contramão com o que era retratado nas comédias românticas dos anos 90, com histórias que traziam o amor como aquele que tudo supera, mas que não traziam o pós-“felizes para sempre”.
Com um aumento do consumo das redes sociais, e idealização da vida perfeita – e, consequentemente, do relacionamento perfeito – o imaginário popular se voltou para uma busca incansável pelo irreal. Ao se deparar com algo mais leal e tangível de uma relação humana, como é o caso de filmes sem finais convencionais ou até mesmo sem finais, o telespectador se coloca numa posição de identificação e passa a refletir sobre si e as relações ao seu redor.
“Quando a coisa vem real, vem crua, ela gera identificação e uma sensação de pertencimento… a gente se coloca a pensar numa questão de humanidade As pessoas têm suas falhas, seus padrões de comportamento, e a sua própria bagagem familiar e ambiental de funcionar no mundo.” (Helena Emerich)
As obras são um retrato do que vivemos. A arte é cíclica, ou seja, independente do momento em que estamos, há algum filme, música ou livro que retrata o que sentimos. Helena enxerga a procura por certas histórias como uma forma de busca pelo autoconhecimento, não buscando uma resolução para os problemas reais nas artes, mas se colocando em uma posição de reflexão pela narrativa consumida e a identificação sentida.
Please Let Me Keep This Memory, Just This One
Apesar do reconhecimento gerado pela trope de “amores condenados”, o público sofre ao ver a história de um casal, com seus altos e baixos, chegar ao fim. Dentro do ser humano há uma busca inerente por vínculos – por amor – para sobreviver. O fim de uma relação, mesmo que a de personagens fictícios, gera uma sensação de luto. Com encerramentos, a mente percebe que não pertence mais àquele espaço, que o vínculo que tanto procura se encerrou.
Ao assistir a construção de um casal, ler suas conexões e escutar suas interações, o telespectador vai criando expectativa e torcendo pelo final feliz. O fim, pelo motivo que seja, dói. Helena traz a perspectiva de que certos filmes mexem mais com o sistema nervoso, o sistema límbico, e acabam – pela identificação que sentimos – causando um impacto no lado emocional. Ao chorar por uma história, ou apenas se emocionar, ela fica registrada e marcada em sua memória.
If you had never left Seoul, would I still have looked for you?
Um desdobramento comum em histórias que o casal se separa é o questionamento “e se”; e se ele tivesse ficado, e se ela tivesse escolhido ele, e se ele ficasse por mais alguns minutos, e por aí vai. As diversas possibilidades que não aconteceram, borbulham em nossa cabeça buscando encontrar uma realidade na qual aquele casal permanece junto.
Este pensamento dialoga, de certo modo, com a teoria do efeito borboleta. A psicóloga define o “e se” como uma voz interna que nos deixa em estado de questionamento, e em estado de alerta, podendo ser entendida como um modo evitativo de se “jogar” no relacionamento.
No filme Vidas Passadas, dirigido por Celine Song, um dos fios condutores da narrativa é o “e se”. A possibilidade da vida das personagens ter sido completamente diferente caso uma delas tivesse permanecido em sua cidade natal, por exemplo, permeia o imaginário do telespectador durante sua uma hora e quarenta e seis minutos de duração.
O sentimento causado por esse questionamento é uma forma de auto flagelo. Assim como as personagens Nora e Hae, se um relacionamento falha ou algo não segue de acordo com o que desejávamos, nos colocamos em uma posição de autopunição. Os questionamentos sobre caminhos e escolhas que fizemos ao longo da vida vão surgindo, o comportamento evitativo e a vontade de mudar o que foi feito e se colocar em uma posição de conforto vão se revelando pelo “e se”.
We’ll Always Have Paris
A sociedade, como consumidora, busca cada vez mais histórias que trazem relacionamentos que não dão certo; mas uma relação pode ser considerada falha apenas por ter tido um fim?
Um dos maiores atrativos das narrativas de amores que não dão certo, é a conexão das personagens e a sensação de ter naquela relação algo único. A obra traz uma construção, não é somente um casal. Ao consumir a história você se depara com altos e baixos, momentos que nos colocam em perspectiva e nos fazem perceber que já estivemos naquele mesmo lugar.
“O meu crescimento pessoal e o da minha parceira, ou parceiro, pode nos levar a seguir caminhos diferentes; isso não acontece porque não houve amor ou por este ter acabado, mas sim pela mudança das coisas… a vida é cíclica, é até ingênuo acreditar que o que dá certo é o que é para sempre.” (Helena Emerich)
A separação inerente traz a sensação de que tudo aquilo foi em vão, que a relação que passou foi falha, pois não superou as adversidades. Helena percebe o fim, não como uma prova de que a relação deu errado, mas sim como um reflexo dos ciclos da vida. A vida é uma construção diária, os seres humanos são construções diárias. Um relacionamento chegar ao fim é apenas uma reação aos crescimentos individuais que não cabem mais na mesma página.
Uma relação humana não pode ter seu valor resumido em seu fim, mas sim em sua construção. Filmes como Retrato de uma Jovem em Chamas, mostram relacionamentos que falharam, visto que as personagens seguem por caminhos distintos, mas que durante sua existência, foram extremamente verdadeiros e significativos. Algo pode ter sido bom, ter feito sentido e mesmo assim ter chegado ao fim.
Nosso gosto por filmes com finais incertos está muito ligado à nossa busca por identificação. O conforto em histórias que trazem casais falhos não está na tristeza apresentada durante a narrativa, mas sim na posição de reflexão e identificação que nos colocamos ao perceber que histórias reais, como as nossas, podem ser representadas nas artes.
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O artigo acima foi editado por Clara Rocha.
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