Com uma carreira construída acima de filmes ficcionais de monstros e seres extraordinários, o renomado diretor Guillermo del Toro nos brinda com mais um conto. Fissurado por criaturas, fazendo seu nome e demarcando o seu status em Hollywood, del Toro sempre possui algo a dizer, além de suas criações míticas.
Foto: Copyright Twentieth Century Fox France
Ambientada no clímax da Guerra Fria, A Forma da Água se apresenta inicialmente com um quê de conto de fadas. Anunciada por um narrador terno, o filme é protagonizado por uma “princesa sem voz”. Sem delongas, o diretor nos mostra ao vivo e a cores esverdeadas e azuladas (créditos que vão ao diretor de fotografia, Dan Laustsen, pelo belíssimo trabalho) onde sua história irá se desenrolar. Muda, a faxineira Eliza Esposito (Sally Hawkins) trabalha numa base secreta do governo dos Estados Unidos, que inclui um laboratório comandado pelo doutor Hoffstetler (Michael Stuhlbarg), para onde uma criatura capturada de nossa consagrada Amazônia, é levada. Isento de qualquer tradicionalismo, o diretor resolve então nos colocar de frente com a afeição que Eliza e tal criatura desenvolvem.
A Forma da Água (The Shape of Water) é um romance entre seres de espécies diferentes, desajustados e incompreendidos. O filme cria com seus personagens e outros elementos (menção honrosa a ótima trilha sonora, que passa por alegres instrumentais e dança até mesmo ao som de Carmen Miranda), um aspecto não apenas lúdico, mas constrói uma complexidade ao “conto de fadas”, ao inserir componentes “picantes” a obra.
Foto: Copyright Twentieth Century Fox France
Cada personagem é construído com suas particularidades e doam a trama todos os elementos para a construção de uma obra singular. O sádico agente policial Strickland (Michael Shannon), o amigo e vizinho Giles (Richard Jenkins), um pintor fracassado, e a companheira de trabalho Zelda (Octavia Spencer), a quem cabe as falas mais divertidas da obra.
No entanto, dentro de todo destaque que o filme carrega, o holofote vai para Sally Hawkins. A atuação de Hawkins faz com que as emoções de uma mulher muda sejam transmitidas de forma excepcional, sem deixar espaço para interpretações confusas, os sentimentos de Eliza são claros. Vem dos lamentos que surgem por meio de ruídos, da força com que ela reproduz seus sinais, às vezes num tom de preocupação, ansiedade e raiva; ou na lentidão que se apresentam revelando sua mais sincera tristeza.
Foto: Copyright Twentieth Century Fox France
Até mesmo a abordagem para o tema “anticomunista” é diferente, já que na verdade, não é sequer “anti”. O recorte histórico é colocado pela ambientação do filme, e jamais para enaltecer estadunidenses em sua performance diante dos soviéticos na Guerra Fria, e vice-versa. O foco de del Toro está em criar das mais improváveis situações, o amor mais puro. A intenção do cineasta, como dito em entrevistas, era criar uma linda história de amor, em que monstros ficam com a mocinha, mas que, adicionado o tempero do diretor, gatinhos são decapitados e dedos necrosados são arrancados à força.
Contudo, esses elementos quando adicionados a essência de fábula, tornam a obra tão contemporânea que dialogam com fatos sociais como preconceito e intolerância, contrastando com o a história de amor, que resulta em toda essa mistura, um filme de romance, drama, ficção e, finalmente, um toque de comédia. Guillermo del Toro consegue, mais uma vez, concretizar uma obra tão subjetiva como nossos mais extraordinários sonhos. Tão concreta que lhe presenteou com o título de filme mais indicado ao Oscar 2018 (e que promete ainda mais presentes).
Edição: Marcela Schiavon