O artigo abaixo foi escrito por Mariana Rossi e editado por Mariana Miranda Pacheco. Gostou desse tipo de conteúdo? Confira Her Campus Cásper Líbero para mais!
Treze meses de conflito, milhares de mortos, dois milhões de habitantes que tiveram que deixar suas casas, 400 mil pessoas passando fome e inúmeras violações de direitos humanos. Esses são os números do conflito entre os rebeldes do norte da Etiópia e as forças governistas do país. Por mais expressivos que sejam todos esses dados, por aqui eles chegam apenas como informações escassas — e ainda recebem pouca atenção do mundo.
Segundo país mais populoso da África, com 115 milhões de habitantes, o confronto ficou mais tenso nos últimos meses: o país voltou a ser ameaçado pela fome e está à beira de uma guerra civil. Enquanto os rebeldes se aproximam da capital Adis Abeba, o primeiro-ministro Abiy Ahmed incentiva os civis a pegarem em armas “para defender, repelir e enterrar os terroristas da Frente Popular de Libertação do Tigré”, escreveu em postagem no Facebook, de acordo com a Agência Reuters. Ironicamente, em 2019, Ahmed ganhou o Prêmio Nobel da Paz, por encerrar um conflito histórico com a Eritreia.
Para entender o conflito
Com o fim de uma ditadura que durou entre 1974 e 1991, marcada pelo abuso dos direitos humanos e pela fome que matou mais de um milhão de pessoas, a Etiópia passou a ser governada por uma coalizão de quatro grupos étnicos distintos.
Em um país com mais de 80 etnias e idiomas diferentes, encontrar um equilíbrio entre o poder e a representatividade de todos os grupos era um grande problema. O sistema federal criado permitia a divisão do controle do país pelos grupos a partir da região em que estavam presentes.
A Frente Popular de Libertação do Tigré (TPLF), milícia da minoria étnica Tigré, localizada no norte do país, teve grande influência na política nacional entre 1991 e 2018. Nesse período, a Etiópia experimentou grande estabilidade. Por uma década, foi a economia que mais crescia na África e, em 2025, se tornaria um país de renda média.
No entanto, abusos de poder, corrupção e a repressão provocaram levantes populares de outros grupos étnicos, que resultaram na eleição do primeiro-ministro Abiy Ahmed, em 2018. Ahmed prometia unir um país dividido e, para isso, dissolveu a coalizão e centralizou o poder, o que desagradou grupos como a TPLF.
Em outubro de 2020, apesar do adiamento das eleições parlamentares regionais, determinado por Ahmed em função da pandemia, o pleito seguiu normalmente no Tigré. Em represália, o primeiro-ministro cortou financiamentos e formas de contato com a região, o que aumentou as tensões.
O CONFRONTO
O conflito teve início em 4 de novembro de 2020, data em que Abiy Ahmed ordenou uma ofensiva do exército contra a TPLF, sob a suposta acusação de que os rebeldes haviam atacado bases militares federais. A TPLF nega a autoria da ação.
Apesar do aparente sucesso da investida, que chegou a conquistar Mekelle, a capital da região, poucos meses depois, em junho de 2021, os rebeldes recuperaram o Tigré e avançaram para outras regiões do país, como Amhara e Afar. O governo etíope declarou um cessar-fogo unilateralmente, mas a TPLF, incentivada por suas conquistas, decidiu não negociar.
Em novembro deste ano, os rebeldes ocuparam as cidades de Dessie e Kombolcha, que são estratégicas para o caminho até a capital. Em reação, o primeiro-ministro declarou estado de emergência no país – o que torna o respeito aos direitos humanos, por ambos os lados, ainda mais vulnerável.
Lalibela, cidade considerada Patrimônio Mundial pela Unesco, também foi conquistada pelos rebeldes, mas foi recuperada pelas forças governistas no último dia 1°. No entanto, a possível união da TPLF com o Exército de Libertação Oromo e o avanço cada vez maior das forças rebeldes rumo à capital aumentou as tensões e preocupa a comunidade internacional.
Com temor de presenciar uma nova fuga massiva da população na capital – como a vista em Cabul, Afeganistão – países como França, Reino Unido e Estados Unidos estão pedindo que seus cidadãos deixem a Etiópia. Já a Organização das Nações Unidas começou a retirar seus funcionários e suas respectivas famílias do país. Recentemente, o Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, demonstrou preocupação com o conflito.
Estados Unidos, ONU e a União Africana pedem para que um cessar-fogo seja negociado. Entretanto, nem mesmo a retirada da Etiópia de um acordo comercial dos EUA e as ameaças de sanções econômicas conseguiram parar o conflito. Além da preocupação com os direitos humanos, a ONU alerta para o risco de um êxodo caótico e até ao desmembramento do país.
Crise Humanitária
A grande preocupação da ONU com a violação dos direitos humanos é agravada com o estado de emergência. Há temores de que o conflito se torne uma violência sectária contra etnias do país. Cidadãos de Tigré que moram na capital Adis Abeba relatam que a polícia vem sendo mais dura com quem tem a sua origem, por meio de incursões em residências e verificação de identidade até em espaços públicos.
A Anistia Internacional denunciou essas chamadas medidas de emergência, em que qualquer pessoa suspeita de apoiar “terroristas” pode ser detida sem mandato. Desde que o estado de emergência foi sancionado, milhares de pessoas foram presas.
A fome, que matou um milhão de etíopes nos anos 80, voltou a ser uma preocupação. Dados do Programa Mundial de Alimentos da ONU revelam que mais de 9 milhões de pessoas precisam de ajuda alimentar no norte do país. Além disso, entre 16% e 28% das crianças sofrem com desnutrição.
Outro ponto de preocupação é quanto ao bloqueio que as regiões ocupadas vem sofrendo do governo. O acesso a serviços básicos, tais como energia elétrica, bancos e serviços de telecomunicação e internet foram cortados.
O bloqueio das comunicações impede a verificação e a atualização de informações no local. Além disso, o acesso da imprensa nas regiões de conflito é muito restrito. Também há bloqueios na estrada e restrições de dinheiro e combustível, que impedem a chegada de ajuda humanitária.