O maior massacre carcerário do Brasil acabou de completar 30 anos no começo do mês de outubro. O episódio, conhecido como Massacre do Carandiru, deixou 111 detentos mortos após uma ofensiva da Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo contra uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, dentro do Complexo do Carandiru.
Oficialmente, a invasão ocorreu após uma briga se instalar pelos andares do Pavilhão 9, supostamente motivada por um desentendimento durante uma partida de futebol entre os detentos. A polícia, liderada pelo Coronel Ubiratan Guimarães, invadiu o presídio com mais de 300 policiais, segundo a Promotoria do caso. A ação violenta da polícia gerou repercussão e 30 anos depois, processos contra os envolvidos continuam correndo na Justiça.
ONDE ESTÁ A JUSTIÇA?
No último dia 22, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) iria julgar os recursos da defesa dos policiais militares (PMs) que foram condenados no caso. Nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter as condenações de 74 agentes. Todavia, o TJ-SP suspendeu o julgamento virtual previsto e o mesmo será retomado apenas no início de 2023.
Cinco júris populares foram realizados em 2013 e 2014 sobre o caso. Após os julgamentos, 74 PMs foram condenados pelos assassinatos de 77 detentos. Desses 74 agentes condenados, cinco já morreram e os outros 69 ainda estão em liberdade. O Coronel Ubiratan Guimarães foi condenado a 632 anos de prisão, com direito a recorrer em liberdade. O militar acabou sendo absolvido e se elegeu deputado estadual em 2002, sendo assassinado em 2006 aos 63 anos de idade.
Em entrevista ao G1, o cientista político Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a partir do episódio do Massacre os detentos passaram a se unir mais. Em 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi fundado com o pretexto de proteção aos presos. Manso explica que o PCC “não é o resultado direto do Massacre do Carandiru, mas usou o episódio para elaborar seus discurso e estatuto”.
O complexo do Carandiru foi desativado no ano de 2002. Seus pavilhões foram demolidos e, no local da penitenciária, foram erguidos o Museu Penitenciário Paulista e o Parque da Juventude. Algumas ruínas e estruturas, porém, foram preservadas para manter viva a memória do episódio.
Bruno Paes Manso também disse ao G1 que, ainda em 1995, o governador eleito Mário Covas iniciou projetos de reforma do sistema penitenciário e realizou a terceirização gradual da gestão interna dos presídios.
Em 1992, ano do massacre, o Carandiru abrigava mais de 7 mil pessoas em cárcere, em um complexo que tinha capacidade para 3.256 presos. Sendo considerado o maior presídio da América Latina – sem sequer ter sido projetado para isso – o Carandiru escancarou a superlotação dos presídios e a precarização do sistema carcerário.
O QUE O MASSACRE REVELA SOBRE O BRASIL?
Atualmente, o Brasil possui mais de 900 mil pessoas em cárcere, quase o dobro da capacidade prisional brasileira. Em 1992, havia 114 mil presos, o equivalente a 74 presos por 100 mil habitantes. Hoje, o Estado de São Paulo possui 179 penitenciárias; em 1996, ano em que aconteceu o Massacre, havia pouco mais de 30.
Segundo o advogado especialista em gestão pública, Pedro Lolli Comisso, “o resultado deste déficit é a superlotação que vem acompanhada de maus-tratos, doenças, motins, rebeliões e mortes”. Pedro afirma que pouco foi mudado no sistema prisional para resolver o problema da superlotação, um ponto crucial que causou o Massacre do Carandiru.
Comisso aponta que, em teoria, o controle da superlotação do sistema prisional está regulamentado pela Resolução nº 05 de 2016. Esta dispõe sobre os indicadores para fixação de lotação máxima nos estabelecimentos penais do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e determina um limite de 137,5% da capacidade de cada cela. “O número máximo de presos por cela depende do tipo de unidade prisional”, afirma, “variando muito. Em média, são 8, podendo ser admitido no máximo 10. Porém, não é incomum encontrarmos unidades com mais 200% de ocupação”, diz.
De acordo com o relatório da Defensoria Pública de abril deste ano, quase 82% dos presídios do Estado de São Paulo estão superlotados. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) disse, em nota, que a população carcerária diminuiu no Estado de São Paulo nos últimos 10 anos e ainda negou a superlotação dos presídios.
QUEM ASSEGURA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS?
As Organizações da Sociedade Civil (OSC) buscam garantir os direitos humanos da população em situação de cárcere, aponta Comisso. Uma vez que a dignidade da Pessoa Humana, mesmo em situação em cárcere, é garantida na Constituição Federal brasileira, Artigo 1º, inciso III.
Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça aponta que, atualmente, 67% da população prisional brasileira é composta por pessoas negras, o que equivale a cerca de 600 mil pessoas. “Em 2011, esse percentual era de 60%. Este aumento que ocorreu ano a ano demonstra o abismo sócio-econômico existente em nosso país”, afirma Comisso. No Brasil, os crimes mais cometidos no país são: Tráfico de Drogas (28%), Roubos e Furtos (28%) e Homicídios (10%).
Para o advogado, a solução está além da melhoria do sistema carcerário, “o investimento deve também ocorrer sob a ótica social como um todo para que, ao final, não seja mais necessário aplicar dinheiro no sistema prisional”.
O texto acima foi editado por Mariana Letizio.
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