A tragédia do Litoral Norte de São Paulo completou um mês no dia 19 de março e a questão da moradia é um dos agravantes de cenas repetitivas como essa. Além da enorme precipitação em pouco tempo, foram 683 milímetros em 15 horas, mais do que o verão passado, a falta de infraestrutura e planejamento urbano agrava as consequências do temporal.
Após semanas de busca por desaparecidos, foram registradas 65 mortes. A cidade mais afetada foi São Sebastião, sendo a Vila Sahy, na costa sul, a região mais atingida pelos deslizamentos de terra. Ademais, mais de 1.000 pessoas ficaram desabrigadas e enfrentam o drama de estar longe de casa.
Para entender as tragédia de deslizamentos de terra e a questão de moradia no Brasil a geógrafa, doutoranda em geografia física pela UFPE, Fabiana Souza Ferreira, conta que é importante deixar claro que os movimentos de massa são naturais, com ou sem seres humanos eles irão ocorrer, porém, as atividades humanas podem intensificar esses processos.
PorquE e como acontecem os deslizamentos de terra no Brasil
“Os fatores que influenciam são vários. Reforço aqui que a chuva é apenas um entre vários elementos, logo culpar ‘apenas’ a chuva é um erro imperdoável. Há uma complexa relação entre os fatores geomorfológicos envolvidos. Já o ser humano entra como um agente deflagrador dos deslizamentos, devido à quebra do equilíbrio dinâmico entre os condicionantes, que acelera a dinâmica dos processos”, comenta a geógrafa.
Desastres como o de São Sebastião possuem um histórico no Brasil, os escorregamentos são responsáveis por grandes números de vítimas fatais e prejuízos materiais. Fabiana destaca os desastres ocorridos em 1967, na Serra das Araras/RJ, que afetou cerca de 170 km2 e no município de Caraguatatuba, culminando em 120 mortes e 400 casas destruídas, além das áreas ao redor, aproximadamente 180km2.
Apesar de os estados estarem susceptíveis a esses processos, a grande complexidade na Serra do Mar Paulista é fundamental entre os principais fatores condicionantes dos escorregamentos rasos na região, sendo esta tipologia a mais frequente.
A questão da moradia no Brasil
“Áreas de risco” são caracterizadas por ocupações em lugares inapropriados do ponto de vista geológico e geomorfológico, propensas a deslizamentos. Logo, a geóloga Fabiana destaca que devemos desmistificar a ideia de que apenas pessoas em vulnerabilidade social serão atingidas. Entretanto, a ausência de políticas públicas efetivas e com vistas a ocupação intensifica esse cenário, que atinge, em sua maioria, a parcela socioeconomicamente menos abastada.
“Eu particularmente tenho ressalvas à expressão ‘ocupação desordenada’ uma vez que parto do pressuposto que essa ocupação tem uma ordem, ordem esta com vistas a especulação imobiliária”, complementa.
Assim, a geóloga prefere o termo “ocupação sem planejamento”, pois uma parcela considerável da população brasileira é “arrastada” para áreas periféricas ou com ausência de planejamento urbano. O baixo poder aquisitivo leva muitos a ocuparem áreas inadequadas, em conjunto, a falta de políticas públicas para redução e mitigação estão ligadas a esses processos.
Para explicar esse cenário Fabiana exemplifica:
“Um exercício rápido que podemos fazer são algumas regiões na cidade de São Paulo que no passado eram verdadeiras áreas de risco, como a Bela Vista, Bixiga, Liberdade e Sé. Hoje, após interesses especulativos houve obras de infraestrutura que visam a ‘redução do impacto’ desses processos. Também é possível pensar em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, que dedicou investimentos para apenas uma parcela da população (a mais abastada), enquanto que outras regiões sequer ocupam espaços nos noticiários”, conta.
A previsão e diminuição dos impactos desses desastres de deslizamento de terras é possível, para isso é necessário políticas que visem a prevenção e não o “pós desastre”. Além do CEMADEN — O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais — é fundamental ações efetivas de ocupação urbana e garantia do direito à ocupação adequada a toda a sociedade.
Assim, políticas efetivas de ocupação seriam o primeiro passo e, em segundo, uma atuação de comunicação de áreas de risco nos espaços públicos, principalmente, em veículos midiáticos.
“No Brasil temos que abolir a ideia paternalista de que um órgão x ou y deve resolver o problema, o Estado deve prover os primeiros passos e implementar a estrutura.”
Perspectivas para o futuro
As perspectivas de Fabiana não são positivas em termos de emergências climáticas e destaca que medidas devem ser tomadas agora: “Nosso ambiente e, principalmente, nós não iremos resistir a mais intensificações. Quero acreditar que toda a sociedade irá se integrar para discutir a forma como ocupamos e principalmente produzimos. Não existe mais tempo e o momento é agora!”.
O artigo acima foi editado por Mariana Cury
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