Lançado no dia 16 de Setembro na plataforma Netflix, “Blonde” vem reunindo diversas críticas negativas, e mesmo depois de um mês, suas problemáticas continuam sendo debatidas.
O filme não conquistou o público, e muito se deve à maneira com que a vida de uma das maiores atrizes da indústria americana, Marilyn Monroe, é retratada e a forma com que questões que afetam as mulheres, perante uma sociedade machista, são abordadas.
A produção é baseada no livro de mesmo nome escrito por Joyce Carol Oates, que traz uma reimaginação da vida de Marilyn Monroe. A autora faz questão de ressaltar que a obra não se trata de uma biografia, assim, não deve ser vista como tal. Tal preocupação não se refletiu na adaptação.
Retratar o real?
Blonde, desde seus trailers iniciais, foi vendido como uma retratação fiel, e a informação de ser apenas baseado na vida da atriz é quase escondida. O “detalhe” não ficou claro na sinopse oficial e sem nenhuma menção no começo do longa, sendo inserida apenas nos créditos finais.
A falta de tato nesse sentido é o ponto inicial das problemáticas: a não ser que o espectador tenha um conhecimento prévio da vida da atriz, é uma tarefa difícil diferenciar a ficção da realidade.
Relacionamentos inexistentes são inventados, assim como situações e procedimentos médicos, e boatos são levados como verdade absoluta. Tudo é abordado por uma ótica de extrema violência, abusos e depreciação por longas 2 horas e 40 minutos de duração.
Os triunfos do filme estão em dois pontos: na fotografia e na atriz principal, Ana de Armas. Não há receio em explorar diferentes formas de filmagem, usando planos sequências, momentos contemplativos, firulas visuais, além do uso da tela 4:3 – famosa por ter as “barras pretas” na lateral – e muito uso do preto e branco, que além de se encaixarem perfeitamente na narrativa, parece transportar o espectador para os anos 50 e 60.
A estrela principal
Ana de Armas dá vida a Marilyn Monroe da melhor maneira que pode. A caracterização da atriz é impressionante, ficando evidente quando há recriações perfeitas de momentos reais, como o número musical “Diamonds are girl’s best friend” no filme “Os Homens Preferem as Loiras” e a famosa cena do vestido branco.
Porém, durante toda a produção, a atriz assume um tom de voz quase infantil para a personagem, além do tom de passividade e submissão e momentos dignos do estereótipo de “loira burra”, podendo mostrar seu potencial somente nos momentos de surto mental, muito presentes no último ato.
Além disso, o longa tem como proposta diferenciar Norma Jean (nome verdadeiro da figura) de Marilyn Monroe, em uma dinâmica de pessoa real e personagem, de alter ego. Porém, são raros os momentos em que de Armas consegue transparecer uma real diferença entre as duas. Novamente, o destaque fica para os momentos de queda mental, onde Norma tenta “invocar” Marilyn.
Se, durante os trailers, muito se discutia sobre a possibilidade de Ana de Armas ser indicada ao Oscar de melhor atriz por seu papel, depois da estreia essa certeza caiu por terra. É importante apontar que sua interpretação questionável tem uma grande parcela de culpa da direção de Andrew Dominik, responsável pela obra, e é nele que pode-se encontrar a razão de tamanha insensibilidade
Sensibilidade do feminino
Dominik tem em sua carreira filmes de ação, todos protagonizados por homens. Em sua primeira produção estrelada por uma mulher, é nítido que ele ainda não é apto para tal tarefa, devido a sua completa falta de tato e sensibilidade com questões femininas e os gatilhos que elas geram.
A personagem aparece nua praticamente em metade do longa, muitas vezes em momentos que não pediam por isso, mostrando uma extrema sexualização da figura. Abortos são retratados de maneira extremamnete violenta e invasiva, contando até mesmo com takes do ponto de vista da vagina da personagem.
Há diversas cenas que mostram um feto completamente formado, mesmo com semanas de gravidez, e pior: em um destes recortes, o bebê chega a ter uma conversa com Marilyn a culpando pela morte de outro feto e questionando se ela fará o mesmo com ele. Os abusos são igualmente grotescos, sem nenhum cuidado.
Além disso, há as questões menos explícitas. Como citado anteriormente, Monroe é retratada como ingênua, burra, submissa, incapaz de contestar qualquer atitude ao seu redor, infantil e completamente submissa aos homens.
Até mesmo fatos de sua vida, como chamar seus maridos de “papai” por conta da falta da presença de uma figura paterna em sua infância, são elevados à décima potência para fragilizar mais ainda sua imagem. No fim, a Marilyn de Andrew Dominik nada mais é do que algo que a verdadeira sempre tentou se desvencilhar: um pedaço de carne.
O diretor já declarou em diversas entrevistas que sua intenção nunca foi recriar a história de Marilyn, e sim contar a história de uma mulher com uma infância turbulenta sendo consumida pela indústria Hollywoodiana.
A real Marilyn
Porém, ao escolher uma figura real e histórica para tal, ele deliberadamente escolheu deturpar sua vida e enxergá-la através de uma ótica, mas claramente essa nunca foi uma preocupação, já que quando questionado sobre o apagamento dos grandes feitos da vida da atriz, respondeu que “isso não é sobre o que o filme se trata. É sobre uma pessoa que vai se matar”.
Norma Jean, ou Marilyn Monroe, é lembrada até hoje como uma das maiores atrizes mundiais. Apesar de sempre ter sido resumida a um símbolo sexual, lutou para desvencilhar essa imagem e ter seu merecido reconhecimento, recebendo o mesmo que seus colegas de cena. Ela fundou sua própria produtora – Marilyn Monroe Productions – para dar mais oportunidades no cinema para mulheres, entre outros fatos, e é assim que merece ser lembrada.
——-
O texto acima foi editado por Gabriela Antualpa.
Gosta desse tipo de conteúdo? Siga Her Campus Cásper Líbero para mais!