Quase 20 anos após o crime que chocou o país, os filmes “O menino que matou meus pais” e “A menina que matou os pais” foram lançados pela Amazon Prime Video, no final do mês de setembro. O caso Richthofen aconteceu em outubro de 2002, quando o casal Manfred e Marísia Von Richthofen foram assassinados a mando da filha, Suzane Von Richthofen, pelo namorado, Daniel Cravinhos, e o irmão dele, Cristian Cravinhos. O julgamento, que aconteceu em 2006, resultou na pena do casal em 39 anos de reclusão e seis meses de detenção e do irmão de Daniel a 38 anos de reclusão e seis meses de detenção.
Os filmes são baseados nos autos do julgamento, que representam os depoimentos de Suzane e Daniel, cada um trazendo o seu ponto de vista até o momento do assassinato do casal Richthofen. Diversas declarações e declarações polêmicas da filha, foi afirmado que existia muitas das suas falas. E claro, que a versão dos dois culpados não poderia ser diferente. Sendo assim, as duas tramas não contam a história verdadeira, já que a realidade de todo o caso é de conhecimento apenas dos envolvidos, mas que não é, necessariamente, a versão contada por cada um deles.
Ambos possuem a mesma cena de abertura, quando policiais encontraram os corpos de Manfred e Marísia no quarto do casal. Em seguida, os filmes saltam para o julgamento, realizado quatro anos depois, trazendo o depoimento de Suzane (Carla Diaz) em “O Menino” e de Daniel (Leonardo Bittencourt) em “A Menina”. Estruturalmente, os acontecimentos narrados são os mesmos, mas cada um sob o próprio ponto de vista.
Assista ao trailer dos dois filmes:
Rico em elenco, carece no roteiro
Dirigido por Maurício Eça, os filmes já receberam vários elogios, principalmente pela formação do elenco que possui um peso e profissionalismo de outro mundo. Mas por conta de estarem “presos” aos relatos do julgamento, o roteiro realizado por Ilana Casoy e Raphael Montes não possui tanta personalidade e expansão, o que até pode não ser ruim, por um lado, já que o propósito é ser fiel aos depoimentos.
Por outro, ambos deixam a interpretação do espectador no ar, já que não existe ficção ali. Podemos notar isso pela semelhança das duas obras e pouco desenvolvimento em algumas cenas, principalmente na versão de Daniel Cravinhos, que trouxe poucos detalhes da relação entre o casal até a cena final do crime.
Desde o início das gravações, a ideia dos roteiristas foi clara em trazer duas produções que contassem a mesma história, porém, cada qual sob a ótica do casal. E mesmo com cenas semelhantes, as narrativas são completamente diferentes.
Desta forma, é quase impossível assistir apenas um dos filmes sem, necessariamente, ver o outro em seguida, para completar os dois depoimentos. Mas, em alguns momentos, por conta da falta de aprofundamento na visão de Daniel, pode parecer que estamos assistindo a mesma obra novamente.
Mesmo assim, são filmes didáticos, que contam o simples e o fato. Mas podemos acessar algumas informações que não sabíamos, principalmente sobre a relação mais íntima entre o casal culpado. Deixa claro, também, alguns aspectos comuns nas duas obras: como a manipulação (seja por parte de Suzane ou de Daniel) e a rigidez com que a família Richthofen possui com os próprios filhos. Por outro lado, a falta desse aprofundamento de versões, impede que haja precipitadas por parte dos espectadores, mesmo aqueles que já conhecem o básico de toda a história.
Habilidade artística de Carla Díaz
Mesmo considerados de produção mediana, não podemos deixar de destacar a atuação incrível da atriz Carla Diaz, que foi muito bem aclamada não só pela sua carreira já dentro do mundo artístico, mas por sua passagem dentro do Big Brother Brasil, na sua 21ª edição, trazendo ainda mais destaque para os lançamentos.
É possível notar o alcance de Diaz, quando a mesma consegue interpretar duas personalidades opostas (uma menina inocente e apaixonada versus uma jovem traumatizada e perturbada) de modo extremamente natural, como se tivesse mergulhado a fundo nas exigências do papel de Suzane Louise Von Richthofen.
A semelhança física com Suzane contribuiu ainda mais para que o filme se aproximasse mais da realidade. Em “O Menino”, a personagem conta sua própria história, desde todo o crescimento cercado pela família, recebendo do bom e do melhor, até conhecer o personagem de Daniel Cravinhos, professor de aeromodelismo, que conquistou o coração da menina ingênua.
Em sua versão, ela acreditava que teria sido manipulada pelo namorado a matar os próprios pais por amor e pela promessa de viverem juntos, sem as interferências do casal Richthofen. Já em “A Menina”, o ponto de vista na interpretação de Leonardo Bittencourt traz uma jovem extremamente maquiavélica, que encontrou no rapaz humilde e de bom coração um gatilho para alimentar suas ideias obscuras e o desejo de se livrar dos pais.
Não só Carla e Leonardo, mas todo o elenco traz características físicas de todos os envolvidos no caso real, composto por Vera Zimmermann, Débora Duboc, Leonardo Medeiros, Augusto Madeira, entre outros. E claro, merecem todo reconhecimento por atuação e entrega nos dois filmes, que mesmo entre falhas e acertos, é possível notar o compromisso em seguir fielmente com os acontecimentos, para entregar duas produções gravadas em 33 dias.
Os Gêneros True Crime
O gênero “true crime” já é conhecido mundialmente. Considerado ainda novo no mercado cinematográfico, ganha cada vez mais espaço nas produções. Seja em filme, série, documentário, livro, podcast, traz todos os aspectos envolvendo algum caso real marcante para a sociedade, abordando desde o início, mostrando a história das vítimas e dos culpados, até a motivação, o planejamento e a execução final do crime .
Além disso, as obras trazem os pontos levantados durante as investigações, por isso que, geralmente, é feito por jornalistas e em formato documental, por ser algo mais impactante e baseado em critérios informativos.
Amparado pela curiosidade, o gênero é uma forma de representar algum crime real de forma mais aprofundada, trazendo alguns detalhes que nem sempre uma reportagem consegue abranger. E mesmo com a frase “baseado em fatos reais”, que pode gerar algum desconforto, esse tipo de produção está conquistando o coração do público, principalmente para os apreciadores de filmes de ação e policial.
É importante mencionar que o fato do caráter documental ficar um pouco de lado abre espaço para outros formatos. São realizados vários estudos de roteiro, personagens, cenário, equipamentos, entre outros elementos para trazer à tona tudo o que realmente aconteceu.
Este é o caso de algumas produções realizadas anteriormente aqui no Brasil, como os filmes “Assalto ao Banco Central” e “Última parada 174”, que trouxeram no enredo cenas semelhantes aos crimes reais representados fazendo obras. Assim como nos filmes do Caso Richthofen, compartilhar e atrizes estudaram profundamente seus personagens, sem necessitar do contato com os participantes reais do crime. Estes também não receberam nada pela criação e produção das duas obras.
Em entrevista a Renato Marafon, do canal no Youtube “CinePOP”, Carla Díaz afirma: “Eles não têm, não têm direitos autorais, não têm qualquer tipo de lucro ou qualquer participação artística.” Junto com um ex-BBB, Leonardo Bittencourt explicou também que não seria necessário ter esse contato com os acusados, por conta do roteiro já ter os detalhes suficientes para saber o que precisava ser feito. “Nunca partir de ninguém o interesse de conhecer alguém dos envolvidos”, comenta.
É importante ressaltar, que fica em evidência a curiosidade e a busca por maior entendimento por parte do público. Muitas pessoas já conheciam o caso na vida real e todos os desdobramentos que aconteceram em seguida (e acontecem até hoje), por isso, trazer uma produção com maiores detalhes na versão do casal, acendeu um sentimento de instigação, onde cada um pensou no que poderia encontrar em cada um dos filmes.
Vale lembrar que essa análise foi realizada com foco em roteiro e estrutura dos filmes e não no acontecimento em si. Os filmes estão disponíveis na Amazon Prime Video.