Inércia. A intenção primordial de Newton ao colocar no papel e esbravejar ao céu sua primeira lei – lei, definitiva, prova incontestável – é de ressaltar a inatividade dos corpos quando suas forças são nulas. Se não há variação, não há deslocamento. Apenas uma constante. E assim que o corpo se deixa cair sobre o acolchoado desgastado do sofá (que um dia fora) azul-petróleo da sala com as paredes recobertas de um branco descascado, ele inicia seu processo desleixado de organismo parcialmente séssil, se recusando a exercer qualquer ação da mecânica clássica.
A partir do momento em que entra em repouso, nada ocorre. O universo continua a seguir seu curso normal, os astros se curvam e se estendem em posição de sentido, as ondas e os gramados continuam a balançar em seu ritmo próprio e ainda assim, o corpo sequer nota as cores se espalhando vividamente com o canto dos olhos – apenas observa sua própria ociosidade.
Se é que ele pode sentir a indiferença, tudo o que se movimenta enquanto o corpo permanece imóvel cai em um silêncio rotineiro. A verdade, no entanto, é que nem todos os silêncios são mudos – o indicador de volume explicita que há som saindo das caixas sonoras do aparelho televisivo, e ainda assim, elas soam como estática branca, uma linha indeterminada de ruído tão fina que mal transpassa a barreira auditiva. As imagens exibidas no programa mudam, as gesticulações da apresentadora se alteram a cada milissegundo com as reações exageradas dos convidados. O corpo não esboça sequer um levantar de sobrancelhas.
O sol se põe, evidentemente cansado da inatividade. A lua e as estrelas acenam, indispostas, o mesmo sorriso cansado como de todas as outras noites, porém a névoa espessa que paira sob o céu noturno não permite que os olhos apáticos visualizem tal gesto. O corpo continua parado, membros imobilizados, apenas permanecendo na mesma posição de que estavam em horas atrás. Assim como as horas que esperam passar, o corpo espera um impulso, uma fagulha que desencadeie reação – e os membros dormentes imploram, atrofiados, por qualquer reação.
Enfim, as luzes se acendem, como fogos de artifício que se manifestam em pontos coloridos sobre as pálpebras fechadas. O brilho da lâmpada de LED não é quente e o cômodo não perde seu ar fresco, beirando ao frio, como se a brisa do fim de tarde não tivesse se movimentado também, ainda que a ideia seja fisicamente impossível. Aos poucos, os olhos se abrem, a memória reconhece, o corpo se movimenta e o rosto se desabrocha em um sorriso preguiçoso, com resquícios de um sono que não se dorme.
Foto: Pinterest
“Boa noite.” O corpo responde a um estímulo sensorial e a alma responde a um estímulo cordial.
(“O que você fez de bom hoje?”
“Ah, nada.”)
Texto: Gabriella Lima Edição: Marcela Schiavon