Nos últimos meses, muitas discussões foram trazidas à tona sobre a desvalorização das importantes figuras pretas e indígenas da sociedade brasileira. A escassez de imagens que representam a história de povos marginalizados, e o desrespeito com as que existem, vem gerando grande revolta entre a população.
o caso madrinha eunice
No dia 17 de setembro deste ano, uma escultura de bronze de aproximadamente 1,70m de Deolinda Madre foi encoberta pela estrutura do palco do 1º Festival de Cultura Geek, realizado na Praça da Liberdade, em São Paulo. O caso foi registrado por diversas pessoas que passavam pelo evento, gerando uma grande revolta entre a comunidade ativista.
Madrinha Eunice, como é popularmente conhecida, foi a fundadora da Lavapés, a primeira escola de samba de São Paulo, estabelecida na década de 30 e hoje conhecida como Lavapés Pirata Negro.
A imagem da sambista foi utilizada como forma de simbolizar a presença negra no bairro da Liberdade, lugar de origem da sua escola de samba. Apesar de ser considerado um bairro nipônico nos dias de hoje, devido à predominância da cultura japonesa, o local é um marco para a população afrodescendente, já que foi onde o líder Francisco José das Chagas, o Chaguinha, foi assassinado a pauladas em público.
Por ser essa importante personalidade negra da cultura paulistana, Madrinha Eunice recebeu seu monumento em abril de 2022, após a criação de um projeto do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), da Secretaria Municipal de Cultura, para homenagear tais personalidades. As criações são realizadas por artistas também negros.
Com a repercussão do acontecimento nos principais veículos de comunicação, diversos protestos do movimento negro e da família da própria Deolinda Madre ganharam maior atenção, além das múltiplas acusações de racismo à organização do evento. Ainda no mês de setembro, a Prefeitura garantiu que os responsáveis seriam acusados e multados, entretanto, o caso foi abafado e não há registros das acusações.
descaso com os povos tradicionais
O caso de Madrinha Eunice é mais um exemplo da constante desvalorização da memória dos povos pretos e indígenas. De acordo com uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo pelo Instituto Pólis, dos 368 monumentos analisados, menos de 3% são destinados para homenagear esses grupos. Sendo nove imagens no total (cinco imagens pretas e quatro indígenas), a análise confirma a visão de população subalternizada atribuída aos povos marginalizados, que seguem buscando espaço na história da nação.
Por outro lado, a constante exaltação de personagens escravocratas e genocidas nos espaços públicos ainda marca presença. Estátuas espalhadas por todo o mundo buscam retratar os supostos “atos heróicos” de líderes autoritários que mataram e escravizaram milhares de indivíduos.
Além disso, os monumentos dessas personalidades são altamente protegidos e apreciados em praças, parques e museus, que fazem questão de apontá-las como peças essenciais para a construção da sociedade mundial.
O ponto de vista excludente sobre o tema gera, constantemente, questionamentos sobre a importância da reivindicação de espaços tradicionais para aqueles julgados como inferiores.
a derrubada de monumentos
Em 2020, uma onda de manifestações conhecida como Black Lives Matter tomou conta dos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd por um policial branco em Minneapolis, grande cidade americana.
Como forma de protesto, inúmeros monumentos foram derrubados, queimados e destruídos no país. Entre eles, uma estátua de Cristóvão Colombo, colonizador das Américas e, considerado por muitos, um exterminador de povos originários.
Inspirados pelo movimento, ativistas de diversos países iniciaram seu próprio processo de manifestação. Na cidade inglesa de Bristol, uma estátua do traficante de escravos britânico Edward Colston foi derrubada e jogada em um rio que corta a cidade.
Já no Brasil, uma figura de Borba Gato, responsável pela exploração e dizimação de indígenas e negros, foi queimada em Santo Amaro, zona Sul de São Paulo. “Nós, Guarani das aldeias de São Paulo, nos sentimos humilhados todas as vezes que passamos ao lado dessa estátua. Borba Gato foi um assassino de povos indígenas e não pode ser considerado um herói”, justifica uma petição enviada à Secretaria Municipal de Cultura cobrando a retirada da estátua.
A partir dos atos, os debates sobre se seria certo derrubar as imagens autoritárias aumentou. Por um lado, manter os monumentos atuais da mesma forma se torna incabível, uma vez que fere a história dos povos indígenas e afrodescendentes. Por outro, a eliminação dessas obras não é capaz de modificar ou apagar o passado de opressão e, muito menos, diminuir a desigualdade existente.
A discussão vai muito além do ato de eliminar as obras, abordando a valorização, respeito e proteção da memória das populações negras e indígenas para as próximas gerações: é o resgate daquilo que foi depreciado por centenas de anos e a ressignificação da imagem desses povos perante a sociedade.
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O artigo abaixo foi editado por Maria Cecília Dallal.
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