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Não há nada melhor no jornalismo do que coberturas in loco. Estar onde as coisas acontecem, conversar com as pessoas em tempo real e, em algumas ocasiões, ver com os próprios olhos a história sendo escrita. Para a jornalista Julianne Cerasoli, viajar o mundo cobrindo a Fórmula 1 é a realização de um sonho. E mais do que um trabalho, é um estilo de vida.
Como muitos brasileiros, Cerasoli começou a assistir Fórmula 1 quando criança, com o pai, mas logo se interessou verdadeiramente pelo esporte e soube desde adolescente que queria estudar jornalismo. Ela trabalhou cobrindo outros esportes e, em 2010, criou o blog Faster F1. Alguns meses depois, foi chamada para integrar o site TotalRace, atual Motorsport. Em 2015, foi contratada pelo UOL, onde está até hoje. Também já cobriu F1 para a Rádio Bandeirantes e, até o ano passado, trabalhava como produtora na TV Bandeirantes.
Fã x Jornalista
Após anos acompanhando a categoria o mais de perto possível, ela explica que sua relação com o esporte mudou: “fã de Fórmula 1 eu não acho que eu sou mais. Fã eu era quando eu estava fora. Quanto mais perto você fica, mais bate a realidade de que não vale tanto a pena ser fã, que são pessoas que têm defeitos e (são) exatamente como qualquer um. Essa coisa de ter uma idolatria acaba morrendo um pouco.”
Para Cerasoli, poder acompanhar in loco é um privilégio. “Acho que sou muito mimada, né? Fazer o que eu gosto (ainda mais) viajando. Eu não quero fazer Fórmula 1 de casa, eu gosto muito dessa vida na estrada”. Trabalhar dentro do paddock também possibilitou que ela compreendesse aspectos da categoria que antes não eram possíveis. “Eu fiquei mais ligada. Tem coisas que eu não sabia antes e que agora eu sei e que eu acho fascinante. Coisas ‘extrapista’, o trabalho dos mecânicos, dos engenheiros.”
Ao contrário do que alguns podem supor, a jornalista esclarece que não se considera uma Petrolhead (entusiasta por automóveis): “eu não gosto muito de carro. Não tenho carro, não dirijo” e não tem um interesse particular por outras categorias do automobilismo. Ela gosta de qualquer esporte, mas a atração pela Fórmula 1 se dá pela sua complexidade.
“O meu negócio com a Fórmula 1 são as várias camadas do esporte. Você tem uma competição de atletas muito focados, muito precisos e tem os diferentes carros. É um campeonato de construtores, de quem fez a melhor máquina e o campeonato de quem usa melhor essa máquina. Tem estratégia, tem assunto e tem camadas o tempo inteiro. Isso que me atraiu e isso que continua me atraindo.”
A rotina e organização nas pistas
Ela produz conteúdo para o UOL , o podcast “No Paddock da F1 com a Ju”, para as próprias mídias sociais (@myf1life e @jucerasoli), para os assinantes do No Paddock, no Catarse e, esse ano, também está trabalhando nas mídias sociais de Enzo Fittipaldi, piloto brasileiro da Fórmula 2. Segundo Cerasoli, o sábado é o dia mais agitado. Ela acompanha treinos e participa de reuniões e entrevistas. Durante a classificação, também prepara material para outras plataformas. Isso tudo, sem ter uma equipe, produzindo todo seu conteúdo sozinha.
Os desafios e alegrias do paddock
Após mais de 10 anos de paddock, certas situações ainda desafiam a jornalista e ela busca por elas. “Na minha carreira, eu fui mudando o que eu tava fazendo. Eu escrevia, depois fui repórter de rádio e então produção de TV. Cada hora estou pegando o esporte de um aspecto diferente e falando com pessoas diferentes.”
Em 2011, ela fez sua primeira entrevista exclusiva, com Jarno Trulli e Heikki Kovalainen. Desde então, o nervosismo já não é o mesmo, mas algumas situações ainda a deixam tensa. “Tem um tipo de coletiva que você ganha no grito para fazer a pergunta. Você tem que encaixar direitinho o começo do que você fala porque daí o piloto olha para sua cara. Se você chamar ele pelo nome, alguém já faz a pergunta. Fico alerta para não fazer besteira.”
Entre todas as experiências memoráveis proporcionadas pela F1, Julianne destaca a oportunidade de conversar com Alain Prost: “eu pedi para falar sobre a temporada de 88. E geralmente tem alguém da equipe lá fazendo o controle, mas ele me recebeu sentadinho do sofá, falou para mim ‘Ah, senta aí e faz as perguntas’ e eu fiquei 40 minutos com ele. É muito incomum você ter tanto tempo, é tudo bem cronometrado”.
Ser mulher na Fórmula 1
Por muito tempo a F1 foi vista como um esporte masculino, dentro e fora das pistas. Esse cenário tem mudado nos últimos anos, mas mulheres ainda são alvo de misoginia e menosprezo. “É difícil você chegar como mulher, é muito difícil. A primeira coisa, (é) que os caras vão dar em cima de você, tentar alguma coisa. Depois é aquela coisa de ‘você é meio café com leite, é claro que ela não entende’, mas eles não são burros, né? Você dá provas de que sabe o que tá fazendo, que você é séria e aí a coisa se estabiliza. Hoje em dia eu não tenho problemas assim. Eu sou uma deles, mas no começo não era assim.”
Além de ter que lidar com o preconceito de alguns colegas homens no começo de carreira, ainda hoje a jornalista sofre com a pressão que coloca em si mesma sendo mulher naquele ambiente. “Eu sinto que eu não posso errar. Os caras podem errar, eu não posso, porque o meu erro vai contar muito mais”, ela explica, usando como exemplo a entrevista coletiva com Christian Horner do dia 2 de março, na qual ela era uma de três mulheres presentes.
O amor pelo jornalismo e o que ela faria diferente
“Por que eu fiz jornalismo? Eu gosto de jornalismo que você não vai fazer a mesma coisa todo dia. Se você quiser, tem uma infinidade de coisas que você pode fazer, eu gosto de ter um dia bastante variado. Gosto muito do desafio de tentar entender o que cabe para cada mídia. É um desafio muito legal da nossa profissão”.
Em 2014, Cerasoli já cobria pelo menos metade das corridas in loco e em 2018 se mudou definitivamente para a Europa. Ela explica que se arrepende da demora para ir morar em Londres e para acreditar em si mesma. “Eu ficava tentando fazer as coisas do jeito mais financeiramente eficiente possível e me desgastei muito sem motivo. Deveria ter apostado que ia dar certo, acreditado mais em vez de ficar ‘Ah, meu Deus, não sei se eu vou ter dinheiro’. Vai lá e faz.”
Em mais um momento de reflexão sobre ser mulher num meio ainda tão masculino, ela também admite que deveria ter sido mais confiante: “Perguntas que eu fiquei em dúvida de fazer ou não, eu devia ter feito o tempo inteiro. É aquela coisa da gente se cobrar pela perfeição e achar que nunca é boa suficiente. E eu era boa o suficiente. Deveria ter ido para cima desde o começo e não ficado ‘Meu Deus, que eu tô fazendo aqui?’.”
Julianne do passado e as “Juliannes” do futuro
Cerasoli começou a escrever sobre F1 quando criança, por diversão. Anos depois, realizou o sonho de viver escrevendo sobre aquilo que gosta e agradece a Julianne do passado por não ter desistido, porque as horas vendo corrida valeram a pena e não ligar para quem achava estranho uma menina gostar de Fórmula 1 também. “Nada disso iria importar e aquela parte que eu achava que ia ser a parte mais legal, que eram as viagens, realmente é.”
Para aquelas que pensam em um dia trabalhar como ela, Julianne alerta que deve ser algo bem pensado, pois é um trabalho que implica em muitas renúncias. Para estar em todas as corridas, como ela, “tem que pensar bem. É uma escolha de vida – mais do que uma escolha profissional. Eu já tinha feito uma escolha de não ter filhos e isso ajudou [no meu trabalho], a estar aqui”. O estilo de vida estará muito ligado com o trabalho, em uma espécie de “escritório itinerante”, reunindo-se com as mesmas pessoas a cada quinze dias. “Você vai ganhar muita coisa, uma experiência internacional de estar sempre com um monte de gente, que tem costumes e jeitos de ver as coisas diferentes e isso vai ser muito rico. Você vai se transformar numa outra pessoa depois de começar a fazer esse trabalho, mas vai ter que deixar muita coisa para trás também”.
“No final das contas, para gente que tá aqui, o que faz mais diferença é estar aqui, não a Fórmula 1 em si. A maior parte da nossa vida a gente tá lidando com essas diferenças. Pensando o que a gente vai comer, pensando na viagem e daí a Fórmula 1 acaba sendo só um trabalho mesmo. No final das contas, a vida, o cotidiano nas pistas, vira uma coisa normal.”
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O artigo acima foi editado por Giulia Howard
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