A Teoria dos Ciclos Históricos, proposta por Friedrich Hegel no século 19, sugere que as sociedades atravessam fases de ascensão, apogeu e decadência, renascendo em novas formas. Em outras palavras, acredita-se que a história se repete eternamente, tendo início, meio, fim e, então, iniciando de novo, para se repetir.
Essa ideia provoca a reflexão: a moda também segue esses ciclos? O que a história da moda revela sobre as tendências atuais? Essas perguntas são essenciais para entendermos o que está em jogo nas passarelas, especialmente na São Paulo Fashion Week N58, onde muitos estilistas se inspiram no passado para moldar o futuro.
Embora novas tecnologias e estilos surjam continuamente, o olhar da moda frequentemente se volta para a nostalgia. Essa tensão entre inovação e memória é evidente na SPFW N58, que não apenas apresenta novidades, mas também revisita e reinventa o que já foi. Neste contexto, analisaremos os desfiles desta edição, que nos instigam a refletir sobre a continuidade e a transformação na moda.
Normando além desse tempo
A coleção da grife Normando, intitulada “Vândalos do Apocalipse”, exemplifica a conexão entre passado e futuro. O estilista Marco Normando e seu sócio Emidio Contente nos convidam a enxergar a moda sob uma nova perspectiva, incorporando referências culturais profundas de sua terra natal, Belém do Pará. O desfile, que destaca a alfaiataria e a reutilização de materiais, como o bustiê feito com cuias de tacacá, ilustra um olhar futurista que respeita a tradição.
“Não existe futuro sem passado. Quando você entende isso, tudo se torna mais fácil de criar e produzir”, afirma Normando. Para ele, reconhecer as influências do passado é uma fonte de inspiração, não uma limitação. Ele cita o grupo modernista que inspirou sua coleção: os “Vândalos do Apocalipse”, que buscavam uma nova interpretação da realidade. “Tentamos trazer isso e associar à nossa realidade em Belém, às nossas vivências e memórias”, explica.
A coleção é um claro exemplo de que a moda pode ser mais do que uma repetição do que já foi; é um diálogo dinâmico com o passado, capaz de gerar inovações significativas e refletir questões contemporâneas, como a crise climática. “Acredito que estamos vivendo um apocalipse”, ressalta.
A máquina do tempo hippie de Martins
A coleção da grife Martins, criada por Tom Martins, defende a estética vintage, conectando-se com as influências dos anos 60 e 90. O desfile trouxe uma explosão de referências, desde o maximalismo dos babados e franjas até o tom cyberpunk, refletindo uma visão contemporânea de épocas passadas. A intertextualidade com a cultura pop, especialmente com elementos do filme Matrix, reafirma a ideia de que a moda é uma máquina do tempo que permite revisitar e reinterpretar eras anteriores.
“Temos um desfile elaborado, mas também versões mais comerciais e simplificadas para o mercado”, conta Martins. Essa afirmação destaca a dualidade entre o conceito artístico e a praticidade comercial, questionando o que realmente define o sucesso na moda. Para ele, “se você me perguntar hoje se o sucesso é comercial ou conceitual, claro que o sucesso comercial é vender.” Essa perspectiva sugere que, mesmo em um mundo em rápida evolução, há espaço para o passado e sua reinterpretação na indústria.
O uso de elementos nostálgicos, como estampas de coelhos brancos e aplicações de jeans Levi’s, demonstra como a moda pode refletir diversas épocas, criando uma estética híbrida que apela a diferentes gerações. Martins acredita que a moda é, em essência, uma conversa contínua com a história, onde o vintage se transforma em inovação, desafiando normas e construindo novas narrativas.
Inovando o clássico com Catarina Mina
A coleção da grife Catarina Mina, assinada pela estilista Celina Hissa, ilustra como vintage e futurismo podem coexistir. Com uma proposta que vai além da moda, Hissa enfatiza a responsabilidade social e ambiental em cada peça. “Tradição requer tradução”, disse Hissa, destacando a importância de reinterpretar tradições artesanais para o contexto contemporâneo. Essa frase encapsula a essência de sua coleção, que conecta o que já foi com o que ainda pode ser.
Os bordados e o uso de materiais sustentáveis, como a borracha da Amazônia, demonstram uma ligação com o passado, enquanto as formas e cores escolhidas trazem uma visão futurista. “Acho que sempre devemos olhar para o que pode ser. Isso é o bonito do imaginar”, comenta. Sua visão de futuro é permeada por um profundo respeito pela tradição, buscando inovar dentro do escopo da cultura local e das práticas sustentáveis.
A coleção “Herdeiras do Futuro” destaca o minimalismo e a fluidez, resultando em peças leves e carregadas de significado. Hissa vê sua coleção como um convite à imaginação, esperando que a Fashion Week deixe uma “extravagância luxuosa de criatividade” que valoriza o artesanal e o feito à mão. A intersecção entre vintage e futurismo em suas peças reflete uma nova narrativa na moda, onde a tradição é respeitada e a inovação é constantemente explorada.
Aqui e agora: Sau
A marca Sau Swim traz uma abordagem que enfatiza a moda como um fenômeno presente. Inspiradas pela mitologia da deusa Aurora e pelas complexidades da experiência feminina, as fundadoras Marina Bitu e Yasmin Nobre vão além de biquínis e maiôs, expandindo o conceito para “swimwear, resortwear e surfwear”. A proposta é oferecer uma moda que dialogue com a realidade contemporânea, abordando a diversidade e as nuances da identidade feminina.
O desfile apresenta uma variedade de peças que refletem uma estética moderna e um forte simbolismo. A escolha de fios vermelhos emaranhados e as saídas de praia com estampas ombré simbolizam um novo amanhecer na moda, enquanto as formas estruturadas e transparências trazem uma abordagem inovadora e consciente. “A moda deve ser uma extensão da experiência vivida”, explica Bitu, refletindo as preocupações e aspirações do presente.
Em um momento em que a sociedade demanda uma moda cada vez mais consciente, Bitu e Nobre sublinham a importância de criar peças que não apenas atendam às necessidades estéticas, mas que também estejam alinhadas com os valores contemporâneos de sustentabilidade e inclusão. Para elas, “a moda é um presente que deve ser vivido intensamente”, sempre com os olhos voltados para o futuro, sem esquecer as lições do passado.
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O texto acima foi editado por Juliana Sanches.
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