O ator Kit Connor, que ganhou bastante reconhecimento após o lançamento da série “Heartstopper” na Netflix, declarou em seu perfil no Twitter que é bissexual. Na postagem, o jovem desabafou a respeito da pressão que sentiu ao se posicionar sobre a sua própria sexualidade. Com apenas 18 anos, Kit se sentiu forçado a se assumir para o mundo todo.
Após o lançamento de “Heartstopper”, Kit e seus colegas no seriado têm sido incessantemente questionados a respeito de suas orientações sexuais, pois a série e os quadrinhos desenhados por Alice Oseman tornaram-se um refúgio para a comunidade LGBT+, com sua grande margem de diversidade. Assim, muitos fãs tinham a expectativa de que o elenco também fosse parte da comunidade.
Connor havia contado em entrevistas anteriores a respeito da pressão que sofria em assumir a sua sexualidade, e que mesmo estando confortável consigo mesmo, não se sentia preparado para colocar rótulos diante do público. Após tais declarações do ator, internautas acusaram o jovem de praticar queerbaiting – apropriação da causa LGBTQIA+ para receber algum retorno econômico ou popularidade. Isto se intensificou após emergirem fotos de Kit de mãos dadas com a atriz Maia Reficco, de forma que muitos acreditaram que o ator seria heterossexual.
Após as alegações, Kit optou por sair do Twitter no início de setembro deste ano, fazendo um breve retorno apenas para falar da situação e se declarar bissexual. Mas o que podemos aprender a respeito da constante pressão em se assumir após o caso de Kit Connor?
Heartstopper: “vocês perderam o ponto da série. tchau”
Desde seu lançamento, a série inspirada nos quadrinhos de Alice Oseman – que estreou em abril de 2022 – conquistou o coração do público por seu espírito carinhoso e sua forma de representar a comunidade LGBT+, mostrando como é ser um jovem tentando descobrir quem é. A história retrata a vida de Charlie Spring (Joe Locke), um estudante gay do ensino médio que se apaixona por Nick Nelson (Kit Connor), seu melhor amigo que o introduz para o time de rúgbi do colégio. Assim, é possível acompanhar não somente o desenvolvimento do romance entre os adolescentes, bem como a dificuldade em se descobrir e se assumir para o mundo.
Na história de Alice Oseman, o jovem Charlie Spring é tirado à força do armário para o colégio Truman Boys School – uma instituição educativa de sexo único – no ano anterior, se tornando alvo de olhares, julgamentos e bullying durante o ano inteiro. Além disso, quando o jovem se une à equipe de rúgbi da escola, passa a sofrer inúmeros comentários homofóbicos dos integrantes do time.
Nick Nelson, amigo de Charlie, descobre uma possível paixão pelo jovem, passando a entender melhor a sua sexualidade, pois acreditava até então gostar apenas de meninas. A série mostra a montanha russa de emoções que o jovem sofre até se identificar e se sentir confortável com a sua própria identidade antes de anunciar seu relacionamento com Charlie para amigos e família.
Kit Connor comentou em seu tweet que os fãs que demandavam saber sobre sua sexualidade e tiraram-no à força do armário tinham perdido “o ponto da série”. Afinal, “Heartstopper” retrata os desafios de Charlie após ter sido obrigado a se assumir mas, partindo para o caminho contrário do que a história ensina, o público cobrava que um jovem de 18 anos declarasse a sua sexualidade. Além disso, a própria personagem do ator passa por um período de tempo sem se assumir, pois esse é um grande medo de muitas pessoas que pertencem à comunidade. Os fãs de uma série que busca representar com fidelidade as dificuldades em se descobrir estavam forçando um dos protagonistas a passar pelas mesmas injustiças que os personagens representados na narrativa.
Um dos maiores medos de sua personagem em “Heartstopper”, Nick Nelson, era que o mundo descobrisse que ele era bissexual antes dele estar pronto para anunciar para as pessoas, especificamente para a família. Assim, o ator passou pelo maior medo de sua personagem. A série foi pensada para conscientizar e representar a respeito das atitudes negativas que diversos jovens sofrem no momento de se descobrir, mas sua própria fanbase não respeitou o tempo de Connor. Em entrevista para o canal Reign With Josh Smith, antes de se assumir nas redes sociais, o ator revelou seu desconforto com as especulações a respeito da sexualidade do elenco – por serem tão jovens:
Eu não sou muito fã de rótulos e coisas assim. Eu não sou obcecado por isso e não sinto que preciso me rotular, especialmente publicamente. É 2022, parece um pouco estranho fazer suposições sobre a sexualidade de alguém com base em sua voz ou vendo sua aparência.
Kit Connor em entrevista para Reign With Josh Smith
A autora e diretora-executiva da adaptação da Netflix, Alice Oseman, compartilhou seu apoio a Kit Connor, assim como outros de seus amigos, através do Twitter.
Pressão em se assumir
O seriado da Netflix não é a primeira produção a retratar a cruel e constante pressão que integrantes da comunidade LGBTQIA+ sentem ao se rotular diante do mundo. Esta não foi a realidade apenas de Kit Connor. O ator da série “Com Amor, Victor” da Star+, Michael Cimino, também foi questionado a respeito de sua sexualidade após o lançamento do seriado, na qual seu personagem se identifica como gay. Esta é a realidade de diversos jovens vistos no mundo do entretenimento.
Porém, a pressão em se assumir não ocorre somente com aqueles que estão no mundo do cinema, e sim com todo adolescente que se descobre parte da comunidade LGBT. Uma vez que sempre houve um grave preconceito com pessoas que não fazem parte do espectro heteronormativo, havendo medo e receio de não ser aceito pela sociedade e por entes queridos, tem-se medo da reação do mundo diante de quem você realmente é. Há um sentimento de culpa, incerteza e ansiedade, sentindo pressão em não aceitar a si mesmo.
Existe também uma pressão realizada pela própria comunidade em se assumir, em não ter medo de quem você é e sentir orgulho imediatamente após você se descobrir. Mas a verdade é que se descobrir vai muito além dessas paredes estereotipadas, não é fácil admitir para si mesmo quem você é, ainda menos quando você sente que deve contar para todo o mundo.
queerbaiting
O queerbaiting é um termo que se popularizou nos últimos tempos no meio artístico, se referindo à apropriação da causa LGBTQIA+ para obter algum retorno financeiro ou popularidade, como mencionado anteriormente. Diversos artistas, além de Kit Connor, têm sido acusados de fazer uso dessa prática. Um deles é o cantor britânico Harry Styles, que é constantemente associado à comunidade devido a suas roupas excêntricas, coloridas e o seu gosto por pintar as unhas.
Porém, até o momento, o cantor somente assumiu relacionamentos com mulheres e nunca deu um posicionamento a respeito de como se identifica. Portanto, Styles se tornou alvo de críticas por parte de seus fãs e pessoas da comunidade LGBT, sendo constantemente pressionado a se posicionar, e talvez, se assumir.
Logo, celebridades como Connor e Styles são alvos de críticas a partir do próprio espectro heteronormativo e devido a diversos estereótipos do que é ser parte da comunidade.
Invalidação da bissexualidade
Um outro ponto a ser considerado é o apagamento da bissexualidade dentro e fora da comunidade LGBTQIA+. Um estereótipo comum que se tem quando alguém não faz parte do espectro heteronormativo é a necessidade de escolher apenas um gênero para sentir atração, apagando a existência da comunidade bissexual – alguém que sente atração por mais de um gênero ou dois e até mais gêneros.
Um estudo publicado pelas Nações Unidas afirmou que “pessoas bissexuais enfrentam discriminação, com base em sua orientação sexual, no âmbito da saúde, incluindo negativa categórica de acesso a serviços. Elas também enfrentam comentários sexuais indesejados ou estereótipos negativos baseados, especificamente, na sua bissexualidade”.
Assim, este apagamento dentro da comunidade pode ser observado no caso sofrido por Kit Connor, pois no momento em que ele foi visto de mão dadas com uma mulher foi condenado por supostamente praticar queerbaiting, limitando o autor à única possibilidade de ser hétero.
Lições
Há uma série de fatores que levaram ao caso de Kit Connor, dos quais é necessário que a própria comunidade e seus aliados se responsabilizem e se conscientizem para não praticar novamente.
1- Não se basear em “personagens” para considerar uma celebridade parte da comunidade LGBTQIA+
É fácil se levar pela ideia de que nossas personagens favoritas são a realidade dos atores que as interpretam. Porém, eles levam vidas completamente diferentes, portanto, não possuem a obrigação de ter a mesma sexualidade que as personagens que dão vida nas telas. Este é o caso de pessoas que fazem os papéis de alguém da comunidade. Na realidade, eles podem ou não formar parte dela.
2- Não se basear em estereótipos do que é “ser LGBT”
Os estereótipos em relação à comunidade LGBT sempre existiram, porém é indispensável que a luta contra eles persevere. Especialmente quando se diz respeito ao que faz alguém ser parte da comunidade.
3- A causa é coletiva, mas a sexualidade de uma pessoa só diz respeito a ela
Existe essa ideia de que, se você não for hétero, você TEM que contar a toda sua família e amigos imediatamente, como se você devesse a eles. Mas você não deve. Você não precisa fazer nada até estar pronto.
Citação de Alice Oseman em Heartstopper
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O texto acima foi editado por Marcela Abreu.
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