O casaco preto de tecido ligeiro e corte refinado, dobrado por sobre a mesa de um café da Avenida Paulista, denota elegância e estilo. A dona dessa peça cobiçada por qualquer fashionista é Heloisa Rocha. No seu último dia de férias, um compromisso após o outro, entrevistas, encontros, provas de roupas feitas sob medidas para projetos universitários, encontramos a idealizadora do blog Moda em Rodas – criado especialmente para o compartilhamento de uma vivência muito peculiar de corpo, beleza, ética e gênero. Com uma tia e avó costureiras, cresceu vendo revistas de moldes, aprendendo sobre tecido, modelagem e, na dificuldade de encontrar vestidos de festa para seu tipo de corpo e dimensões, contava com a habilidade de sua tia.
Nascida em Aracajú (SE) e erradicada em São Paulo, Heloísa Rocha tem 32 anos, é graduada em jornalismo e pós-graduada em comunicação jornalística. Atual redatora na rádio universitária da Faculdade Cásper Líbero, a Rádio Gazeta AM, fala inglês e espanhol e se auto define no Instagram como “portadora de osteogênese imperfeita, com menos de um metro de altura, cadeirante e em busca do look ideal!”.
No Instagram
Em outubro de 2015, Heloísa lançou o Moda em Rodas no Instagram pela possibilidade de postar o look, o texto e a marcação do lugar onde adquiriu uma peça de roupa. Um grande diferencial que permite uma expansão de sua proposta, é o texto em português, inglês e também em espanhol. Atualmente sua página tem 2800 seguidores provenientes do mundo todo: Uruguai, Itália, Estados Unidos, Venezuela, Espanha, Brasil. A maioria são seguidoras mulheres, pois os looks são prioritariamente dedicados ao gênero feminino.
O Moda em Rodas fala para um público com e sem deficiência pois quer agregar. A grande parte do público deficiente no Brasil é de pessoas com baixa escolaridade, nível social desfavorecido. Mas Heloísa Rocha é uma pessoa completamente fora da curva, pois trabalha na sua área de formação, consegue viajar e reconhece estar em um nível diferente e privilegiado. Por isso, traz fotografias de peças que custam desde R$ 10 até as marcas mais renomadas e caras da alta costura, como Armani. Ela nos conta que tem dois pares de sapatos praticamente idênticos, um comprou e outro ganhou de presente. Um é da C&A, loja popular, e outro é da Zara, marca europeia com custo das roupas mais elevado: “Vestir-se bem não é questão de dinheiro, é busca”, afirma.
“Eu me visto no departamento infantil, nunca neguei isso. Meu tamanho é de 6 anos de idade. Não dá para eu chegar na rua, conhecer alguém, estar em um bar vestindo uma camisa do filme Frozen ou da Barbie.”
Gostar de moda não significa ser uma vítima da moda. Como sempre curtiu redes sociais e algumas pessoas com deficiência já a seguiam, as solicitações de dicas, truques, conselhos para as melhores combinações de cores e texturas lhe despertaram a vontade de ampliar essa ajuda de maneira pública. Junta-se a isso o fato de que, na supervisão dos quadros do assunto “moda” na rádio onde trabalha, ao cobrir um evento da importância – como o Fashion Week – precisou estudar e aprofundar seus conhecimentos, terminologia, nomenclatura, verbetes. Começou então a acompanhar desfiles, ler, entender muito mais sobre o assunto. Nenhuma blogueira lhe serviu como inspiração para criar o seu Moda em Rodas.
De biquíni
Não havia uma proposta que abordasse dicas de looks com imagens e texto explicativo indicando suas motivações para a escolha, nome dos lugares onde comprou e demais informações. Alguns blogs ou canais no youtube feitos por deficientes abordam a maquiagem, mas o vestuário é deixado de lado. Tendo uma presença constante na web, a blogueira teve que trabalhar muito bem sua autoestima para lidar com todo e qualquer tipo de comentário e estar preparada para ataques dos potenciais haters espalhados pela rede. Um dos episódios de maior desafio e questionamento pessoal e profissional foi a postagem da primeira foto em biquíni.
Como expor seu corpo na internet com qualidades e defeitos, diferenças evidentes em relação ao padrão estético vigente sem que isso ferisse a sua reputação e nome no mercado? “Sou eu, eu vou colocar minhas imperfeições! É quase um nude. É uma exposição muito grande, fora isso eu tenho um outro trabalho, eu tenho um nome, eu fiquei em conflito”.
Foto: Acervo Pessoal/Heloísa Rocha
Heloísa explica onde confeccionou o modelo, qual era a concepção e não caiu na apelação ou no ensaio sensual. Ao contrário de toda a expectativa de uma possível rejeição por meio de comentários agressivos, a foto de biquíni foi um sucesso. A moda inclusiva está engatinhando no mesmo parâmetro no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, já existem modelos com deficiência, mas não são uma Gisele Bündchen, não são celebridades, não são desejadas. Ao invés de unir, a moda como é feita hoje em dia desagrega.
Os manequins são corpos perfeitos, mulheres lindas e, para o senso comum, é um universo só de consumismo e futilidade. Em contrapartida a moda Plus Size cresceu bastante e este aspecto vem favorecendo as mulheres a se sentirem poderosas, belas, de bem com seus corpos mesmo que não queiram emagrecer e femininas. Os padrões estéticos de beleza da mulher em nossa sociedade para ser desejada ou se tornar um símbolo sexual tem sido magra, alta, branca, cabelo perfeito, pele ideal.
Todas as fotos que Rocha coloca em suas páginas são bem planejadas e nunca deletadas. Esta insegurança fez com que ela refletisse sobre a importância de enfrentar os próprios temores e avaliar o quanto o preconceito consigo mesma e as pressões sociais e auto-discriminações agem nas mulheres.
“Por que uma mulher feminista não pode ser vaidosa? Se uma mulher é estudiosa, ela não pode se vestir bem. Se uma mulher é vaidosa, ela é fútil? A mulher lésbica tem que se vestir igual a um homem? Costumamos esteriotipar. Não existe isso, cada um tem seu jeito.”
Foto: Acervo Pessoal/Heloísa Rosa
Texto: Camila Simões e Nina Ratti Edição: Marcela Schiavon