Eu e meu corpo
No começo foi difícil. Quando me falaram pela primeira vez da cirurgia bariátrica, eu não quis nem pensar sobre o assunto. Para mim, a cirurgia significava assumir que eu havia perdido o controle sobre meu corpo completamente, e de uma vez por todas. Mas, conforme eu engordava e as dores aumentavam, eu fui percebendo que não era sobre controle. Era sobre impotência. Eu nunca realmente tive controle sobre o meu corpo. Tentei todo o tipo de dieta, de regime, para tentar atingir um padrão de beleza, mas a minha própria ansiedade não me deixava continuar. Uma prova, um trabalho importante, uma novidade, qualquer coisa me fazia voltar aos meus hábitos alimentares antigos. Mas em certo momento, eu entendi o que era gordofobia e porque eu sempre me sentia tão mal com o meu corpo, mesmo admirando outras pessoas gordas. Finalmente passei a gostar de mim, depois de muitos anos. Eu me aceitava gorda e me sentia bem, apesar de ainda continuar com todos os problemas que uma mulher gorda pode ter.
Eu mal passava em catracas, não achava roupa por preços acessíveis, era feita de piada. Ser fora do padrão de beleza não é fácil. Mas não foi isso que me incentivou a fazer a cirurgia. Eu estava fazendo o caminho que faço diariamente, da Faculdade Cásper Líbero até o metrô Brigadeiro. São dois quarteirões planos, nos quais ando pela sombra na maior parte do tempo. Foi numa quarta-feira a tarde que senti, pela primeira vez, meu joelho doer. Começou com uma dor fraca, uma pequena pontada no joelho esquerdo. Mas conforme eu continuei andando, a dor não passava. O médico deu a palavra final: a minha obesidade tinha começado a afetar minha saúde. Não é toda pessoa gorda que passa por isso, muitas vivem uma vida saudável mesmo com a obesidade, porém comecei a sofrer de um dos muitos problemas que a obesidade podia causar. Entre diabetes, hipertensão e colesterol alto, eu acabei ficando com dores nas articulações. Um alívio, e mesmo assim, um problema.
A cirurgia
Então, a cirurgia surgiu como uma escapatória, no final. Quando eu disse para minha mãe que eu tinha escolhido fazer a cirurgia bariátrica, minhas mãos tremiam e eu me sentia envergonhada. Na primeira consulta com o cirurgião, eu tive medo do sermão que eu levaria, do que ele me diria, de tudo. Mas logo o medo se transformou em alívio, e depois de um atendimento maravilhoso, eu passei também em consulta com uma nutricionista, uma fisioterapeuta e uma psicóloga, além de ter feito uma batelada de exames. Nesse caminho, eu passei a entender melhor a cirurgia. Eu conheci pessoas que também a tinham feito e entendi que o procedimento não era algo que deveria me dar vergonha. Se eu era impotente perante a minha situação, a cirurgia era um método seguro de garantir minha qualidade de vida. E eu não tinha que ter vergonha; nem da cirurgia, nem de ser gorda. Marcar, finalmente, uma data para realizar o procedimento fez com que surgisse uma mistura de ansiedade e preocupação dentro de mim. E se desse algo errado? E se eu não gostasse de mim quando eu emagrecesse? E se eu fizesse algo errado? E se eu não conseguir emagrecer?
Eu tinha várias dúvidas sobre o que seria dali pra frente. Quatro dias antes de fazer a cirurgia, eu comecei uma dieta pastosa. Purê, carne moída e frango desfiado. Dois dias antes, uma dieta líquida; com sopa, sopa, e um pouquinho mais de sopa. E minha ansiedade apenas crescia, conforme eu ia avançando. Quando finalmente eu pude fazer o procedimento, meu coração parecia querer pular do peito. Eu realizei o procedimento bypass, com o cirurgião Doutor Thales Delmondes Galvão, no dia trinta de janeiro. A cirurgia durou apenas cerca de duas horas, e eu fiquei no hospital por dois dias.
O depois e a aceitação
O primeiro mês foi o pior. A dieta líquida que eu fiz me obrigava a tomar apenas líquidos e de goles muito pequenos (tudo num copinho descartável de café). Foi um mês no qual eu mal podia comer: caldos de carne, sucos, chás e águas. Era apenas isso que eu tomava. Nas primeiras duas semanas, os goles foram de três em três minutos; eu andava colada no celular, com o temporizador ligado o dia todo. Depois, passou a ser um copinho de café a cada vinte minutos, com goles espaçados. Foi no final do mês, porém, que vi como havia valido à pena. O médico já tinha me avisado que a maioria dos pacientes perde 10% de seu peso no primeiro mês, mas, com quinze quilos a menos, eu voltei a entrar em diversas roupas que não me serviam mais, eu me senti mais confiante e passei a ver a cirurgia como algo benéfico, apesar de todo o esforço que eu tive que fazer. No segundo mês, eu entrei numa dieta pastosa.
Os dez primeiros dias eu voltei a comer purês, cem mililitros ou cem gramas por refeição, de meia em meia hora para líquidos e de uma em uma hora para pastosos. Hoje, um mês e meio depois da cirurgia, eu me sinto outra pessoa. Não foi fácil, e perder peso nunca é fácil. Eu passei por uma mudança brusca física e mentalmente, onde eu passei não só a pesar menos mas pensar diferente. Foi muito árduo no início, e mesmo que eu tenha pensado muitas vezes em como eu me arrependia, eu acabei descobrindo que valeu muito a pena. Fazer ou não fazer a cirurgia bariátrica é uma decisão pessoal, que vai de cada um.
Eu continuo gorda, ainda estou no processo de emagrecimento, e continuo admirando demais outras mulheres gordas que passaram por cima dos preconceitos para viver nessa sociedade gordofóbica, no entanto eu também me sinto bem comigo mesma. Não sinto mais dores e me vejo de uma forma diferente. E talvez a cirurgia tenha servido pra mudar mais a maneira como eu penso do que meu corpo em si. Hoje, eu me sinto feliz com o meu corpo e meu corpo se sente feliz comigo.
Edição: Marcela Schiavon