Há exatos 197 anos, o Brasil tornava-se independente de Portugal, elevando a sua condição de Reino Unido a Portugal e Algarves para o status de Nação brasileira. Quando se fala em independência do Brasil, certamente a imagem do quadro de Pedro Américo vem a sua mente, certo? Cavalos brancos, concentração popular, Dom Pedro imponente com o grito do Ipiranga: “Independência ou Morte!”. Tudo parece realmente muito grandioso, mas será que foi assim mesmo?
A independência do Brasil, como diversos outros marcos históricos nacionais, carrega junto a si uma espécie de mitologia e imaginário próprio. Hoje, estudos historiográficos mais aprofundados, e de certa forma distantes do contexto da época, conseguiram demonstrar alguns equívocos existentes dentro da construção do decorrer da Independência do Brasil. Sendo assim, listamos abaixo alguns fatos sobre o marco de 7 de setembro de 1822.
- O quadro de Pedro Américo foi encomendado por Dom Pedro II
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Pedro Américo, autor do famosa pintura “Independência ou Morte”, que acabou por ilustrar fortemente a representação do processo de Independência, nasceu no ano de 1843, 21 anos depois do marco histórico. Portanto, ele não vivenciou o contexto no qual a Independência ocorreu.
- Não houve participação popular
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Diferente de outros países da América Latina, a execução do processo de independência do Brasil não teve participação da popular. “No idealismo e formalização da Independência, a ação da ideia de se romper com Portugal é elitista e em torno da figura do príncipe”, explica José Carlos Peres, 37, professor de história no ensino médio dos Colégios da Rede ADV, no interior paulista.
- A cena não ocorreu às margens do Rio Ipiranga
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Pesquisas indicam que muito provavelmente no momento em que Dom Pedro I recebeu a carta do governo português que o levou a declarar independência do Brasil, ele estava no alto de uma colina, em um trajeto que passava ao voltar de Santos para São Paulo.
- Não havia a Guarda Real junto de Dom Pedro I
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O caminho de chegada até o topo da colina – que é o mais provável local onde Dom Pedro recebeu a carta de Portugal – é extremamente complicado, aspecto que dificulta muito a presença de várias pessoas compondo a comitiva de Dom Pedro I.
- Dom Pedro I não estava sob um imponente cavalo branco, mas em cima de uma mula
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Realizar o trajeto pelos trechos íngremes da Serra do Mar, ainda mais com mantimentos de viagem, seria muito difícil com animais como cavalos. A maioria das pessoas que subiam a serra utilizava mulas ou burros para efetuar o trajeto de forma mais eficaz.
- “Independência ou Morte”? Não foi bem assim
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O que se entende a respeito da declaração que marca a Independência do Brasil é que na verdade, o que foi dito por Dom Pedro I foi algo semelhante a “Independência ou Morte”. Há diversas versões do grito de independência, então não se sabe com total certeza qual foi a real frase exclamada por Dom Pedro naquele momento.
- A postura de Dom Pedro I não era tão heróica assim
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Diversos relatos dos componentes da comitiva que acompanhava Dom Pedro I em sua viagem afirmam que o futuro Imperador estava sofrendo de problemas intestinais, fazendo a reduzida corte parar diversas vezes para que Dom Pedro conseguisse se recompor e prosseguir com a viagem.
- A Independência não gerou mudanças na sociedade brasileira
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O processo de emancipação do Brasil como nação implicou na estrutura política do país, que acabou se tornando uma monarquia. “A monarquia era a forma como a conspiração elitista, os fazendeiros e escravocratas compreendiam a possibilidade de garantir autonomia política sem perder vantagens, ou seja, continuaram existindo escravos e latifúndios”, conta o professor José Carlos.
- Na Bahia, a Independência do Brasil é comemorada em 2 de julho
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Diversos portugueses residiam no Brasil, principalmente na região nordeste, na cidades de Salvador e no Pará, Piauí e Maranhão. “Os portugueses da região começaram a lutar em defesa da permanência do Brasil como colônia, e em contraposição, os brasileiros começam a pegar em armas para lutar pela independência, então nesse episódio, houve sim participação popular”, relata o professor.
E devido a estes acontecimentos, o estado da Bahia comemora a Independência do Brasil no dia 2 de julho, que é justamente quando os brasileiros conseguiram vencer os portugueses que defendiam o pacto colonial.
- A Princesa Leopoldina assinou a declaração de Independência cinco dias antes
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A esposa de Dom Pedro I, D. Maria Leopoldina, teve um importante papel no processo de Independência do Brasil. A futura imperatriz, no momento em que Dom Pedro I saiu com sua comitiva para a viagem que culminaria na Independência, assumiu a regência interina e presidiu o Conselho de Estado. No momento em que chegou uma carta vinda de Portugal, exigindo que Dom Pedro I voltasse à metrópole, Dona Leopoldina e o Conselho de Estado entenderam o acontecimento como uma pressão para o retorno do Brasil ao status de colônia.
Dessa forma, assina o decreto de independência provisória do Brasil em 2 de setembro de 1822. E logo depois, junta a Jose Bonifácio, envia uma mensagem a seu marido afirmando que aquele era o momento ideal para se romper definitivamente com Portugal.
É notória a projeção proposital de uma figura heroica em torno de Dom Pedro I, construindo assim certa mitologia em torno do processo de independência. “Era necessário representar a situação de forma grandiosa e demonstrá-la para a sociedade brasileira, construindo a imagem do Imperador como grande libertador do Brasil”, conta José Carlos Peres.
A elite brasileira teve influência quase que total no processo de Independência, fazendo com que a articulação de toda a trajetória fosse tomada de acordo com seus interesse e anseios, visando a manutenção de privilégios e sistemas. “Em oposição ao desejo de recolonização, a elite configura uma ideia libertária em torno do príncipe que estava aqui no Brasil, com o intuito de manter seus privilégios”, disse o professor José Carlos.
Positivamente, as metodologias de ensino a respeito de temas como a Independência do Brasil passam atualmente sob um revisionismo de informações, privilegiando a criticidade perante os fatos contados. “As novas documentações que vão sendo trabalhadas começam a desconstruir essa representação heroica de Dom Pedro I, trabalhando com fatos mais reais, principalmente no Ensino Médio”, afirma José Carlos.