Estrela do Santos, campeão pelo Real Madrid e Milan, jogador de Copa do Mundo.
43 títulos, ouro olímpico, três Copas do Mundo disputadas, segundo jogador com mais títulos oficiais.
Essas poderiam ser apenas as histórias de dois grandes jogadores brasileiros, mas que foram ofuscadas pelas condenações por estupro. Robinho e Daniel Alves tiveram muitos dias de glória, comemorações, luxo, uma vida que qualquer um gostaria de ter, no entanto, preferiram jogar tudo fora após se envolverem em casos graves de abuso sexual. Na verdade, quem teve tudo jogado fora, foram as vítimas.
Mesmo após a condenação oficial desses atletas, grande parte do mundo do futebol se calou. Poderia ser um ótimo momento para que o universo futebolístico – que é conhecido por ser extremamente machista – se manifestasse, mas as atitudes dos jogadores (ou a falta delas), demonstram que ainda vivemos em uma sociedade que prefere estar ao lado do agressor.
CASO ROBINHO
Robson de Souza, mais conhecido como Robinho, começou a carreira profissional no Santos, com 18 anos. Logo estava jogando na Europa, onde atuou em grandes times da Espanha, da Inglaterra e da Itália.
O jogador foi acusado pela primeira vez de estupro em janeiro de 2009, quando ainda jogava no Manchester City. A denúncia foi publicada pelo jornal The Times, mas não foi longe, o atacante negou as acusações e ficou em liberdade após pagamento de fiança. O caso foi encerrado em abril daquele ano.
Em 2014, um jornal da Itália publicou uma reportagem sobre uma suposta acusação de estupro coletivo envolvendo Robinho em 2013, quando ainda era jogador do Milan. O caso teria acontecido em uma boate em Milão e contado com a participação de mais cinco homens. Em 2020, Robinho foi condenado em última instância a nove anos de prisão pela justiça italiana, mas na época, morava no Brasil e atuava no Atlético Mineiro. Vale destacar que a constituição brasileira não permite a extradição de cidadãos natos, e por isso, a pena não pode ser aplicada. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) marcou para o próximo dia 20, um julgamento a pedido da Itália para decidir se o jogador cumprirá a pena no Brasil.
CASO DANIEL ALVES
Daniel Alves foi acusado de estuprar uma jovem espanhola de 23 anos em uma boate de Barcelona no dia 30 de dezembro de 2022. A jovem disse que foi levada até o banheiro de uma área VIP da boate Sutton e obrigada a ter relações sexuais com o jogador. No início, Daniel disse que não a conhecia, mas em uma quarta versão afirmou ter tido relações consensuais.
Alves foi detido em 20 de janeiro de 2023 e desde então está no Centro Penitenciário Brians 2, próximo a Barcelona. Na época, era jogador do Pumas (MEX), que rescindiu seu contrato logo em seguida. No julgamento, realizado em fevereiro deste ano, foi condenado a seis anos e quatro meses de prisão. A defesa e a acusação ainda podem recorrer, sendo que o Ministério Público da Espanha pede nove anos de prisão e a vítima, 12.
SILÊNCIO
A repercussão desses casos entre os jogadores foi quase nula. Observamos um silenciamento por parte do mundo futebol, onde quase ninguém optou por se manifestar publicamente. Esse silêncio, no entanto, já diz muitas coisas e pode demonstrar que ninguém queria se comprometer com os “amigos”.
Uma das poucas manifestações no caso de Daniel Alves foi de Xavi, treinador do Barcelona e seu ex-companheiro, “Me sinto muito mal por Dani, além de surpreso e impactado por saber como ele é e como foi aqui conosco.” Depois de críticas, voltou para se retratar: “Quero esclarecer o que disse e que foi mal interpretado. (…) Todos nós temos que condenar esses atos, seja cometido por Dani ou por qualquer outra pessoa. Não fui feliz (na declaração) e peço desculpas às vítimas de violência de gênero e estupro.”
O próprio Robinho foi discreto nas palavras quando procurado para falar sobre Alves: “Melhor eu não falar nada… Que Deus abençoe a vida do Daniel Alves”.
Parte desse silenciamento vem do fato de que, sendo o Brasil um país culturalmente machista, sempre haverá o apoio ao agressor e a desconfiança das vítimas. É o que explica a historiadora e professora de sociologia, formada pela Fundação Santo André, Vitória Esteves. “O Brasil, através de todo seu processo de construção histórica se desenvolveu como uma sociedade patriarcal, terrivelmente misógina e violenta em suas relações com o gênero feminino. Parte dessa violência está contida na cultura de silenciamento de vítimas de violência sexual, doméstica e de outros tipos. O que é ensinado, não só para mulheres, mas para cidadãos brasileiros em geral, é que em casos de violência desse tipo a primeira atitude é culpar, duvidar e silenciar a vítima, e como contraposição relativizar as ações do agressor.”
Além disso, a idolatria cega aos jogadores faz com que os torcedores também contribuam para esse silenciamento. Muitos se espelham em suas atitudes e quando veem que não há nenhum de seus “heróis” se manifestando, tendem a fazer o mesmo.
Vitória ainda explica como o senso de proteção, que vem de uma masculinidade sensível, afeta casos como esse, ou seja, mesmo que um homem cometa crimes ou ações moralmente erradas, essas atitudes nunca deverão ser questionadas por outros homens. Eles tendem a se proteger e automaticamente, atacam o outro lado da balança, nesse caso, as mulheres e vítimas.
Mesmo de forma “mascarada”, a família de Neymar demonstrou apoio a Daniel Alves quando fez uma transferência no valor de 150 mil euros, o equivalente a cerca de 800 mil dólares, para as contas bancárias do jogador. Valor esse que foi posteriormente doado à justiça espanhola antes do julgamento “para que pudesse ser entregue à vítima independentemente do resultado do processo”. A justiça concedeu uma redução da pena, alegando que Alves manifestava “desejo de reparação”. “É chocante porque em nenhum momento a vítima, que é a pessoa que realmente sofreu com o crime, recebeu apoio da família de Neymar. É quase como se para essas pessoas a vítima tivesse sido o jogador que violentou”, comenta a professora Vitória.
A violência contra mulher é tão banalizada na nossa sociedade que acaba caindo em um apagamento histórico, favorecendo os agressores. É o que parece estar acontecendo com Robinho, que em 2020 foi re-contratado pelo Santos, mas teve o contrato rescindido seis dias depois, após pressão dos patrocinadores.
O mesmo vemos acontecer com Cuca, que foi acusado de estupro coletivo envolvendo uma menor na Suiça em 1987. Foi contratado pelo Corinthians em 2023, mas demitido após críticas da torcida, e em fevereiro foi anunciado como técnico do Athlético Paranaense. É importante pontuar que Cuca não foi inocentado, mas teve a pena anulada após o crime prescrever.
O mundo do futebol é o reflexo da sociedade, sendo de extrema importância que jogadores se manifestem, se coloquem contra essas atitudes, como explica Vitória. “A mobilização de outros jogadores é essencial para que esses casos recebam a atenção que devem, e também para que políticas e ações efetivas sejam criadas para buscar impedir que mais casos como esse aconteçam.”
Não podemos deixar que as vítimas sejam esquecidas. Não podemos deixar de demonstrar que não apoiamos os agressores. Robinho e Daniel Alves cometeram crimes gravíssimos e esse silenciamento não pode continuar acontecendo, os jogadores devem ser exemplos dentro e fora de campo.
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O artigo acima foi editado por Mariana Cury
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