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Culture

Por Que Obras De Arte Famosas Estão Sendo Atacadas Por Ativistas?

The opinions expressed in this article are the writer’s own and do not reflect the views of Her Campus.
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Não é de hoje que museus de arte são palco de protestos. Um exemplo disso é o grupo novaiorquino “Guerrilla Girls”, que promove ações de questionamento do machismo no mundo artístico, como a ausência de artistas mulheres em grandes galerias e a hipersexualização de corpos femininos nas obras. Esse movimento já se espalhou pelo mundo, e seus cartazes podem ser encontrados até mesmo no MASP.

Obra do grupo Guerrilla Girls no Acervo em transformação do MASP

Entretanto, especialmente nesse segundo semestre de 2022, alguns museus, principalmente na Europa, estão sendo alvo de um tipo de protesto diferente e cada vez mais frequente. Grupos de ativistas ambientais têm “atacado” pinturas e estátuas com alimentos, tinta e cola visando trazer holofotes para causas climáticas e o uso indiscriminado de combustíveis fósseis.

O primeiro ato desse tipo a receber ampla cobertura midiática aconteceu em maio deste ano, quando um homem, fantasiado de mulher idosa em uma cadeira de rodas, atirou uma torta em um dos quadros mais famosos do mundo: a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, localizado no Museu do Louvre, em Paris. Desde então, pinturas de Van Gogh, Botticelli e Monet – para citar alguns exemplos – já foram alvos desse tipo de manifestação.

Ato ativista de homem jogando torta na Monalisa

Apesar de carregarem uma bandeira que deve ser erguida na atualidade – a da crítica ao uso desgovernado e poluente dos combustíveis fósseis -, essas manifestações recebem mais críticas do que apoio. As redes sociais, apesar de serem o maior veículo de propagação desses atos, também são um local inundado de questionamento às ações desses grupos. Ainda que nenhuma obra tenha sofrido danos significativos, arte é história, ela carrega a capacidade humana de desenvolver sua subjetividade e representar sua forma de enxergar o mundo.

Os ativistas alegam que, com a destruição para a qual o planeta se encaminha devido a poluição, a arte nem ao menos poderá ser apreciada no futuro. Mas será que atacá-la vai realmente trazer mudanças significativas para a causa ambiental ou só tornará o acesso aos museus e à cultura mais restrito pelo medo das instituições de novos ataques? Isso não poderá fazer o ativismo ambiental de modo geral perder apoio? Os fins justificam os meios nesse caso?

QUEM SÃO ESSES ATIVISTAS?

O homem que cobriu de chantilly o vidro que protege a Mona Lisa não era ligado a nenhum grupo ambientalista. No entanto, ele é um dos poucos que agiu sozinho, o movimento que mais promoveu manifestações é o britânico Just Stop Oil (Apenas Parem com o Petróleo, em tradução livre). Foi ele que, em outubro, viralizou nas redes sociais após duas ativistas jogarem sopa de tomate na tela Os Girassóis, de Van Gogh, exibida na National Gallery, em Londres. No mesmo museu, o grupo também já cobriu A Carroça de Feno, uma cena campestre de John Constable, com a imagem de uma versão apocalíptica da paisagem, cheia de poluição e com a natureza arrasada.

Apesar de já ter agido em outros lugares da Inglaterra, o Just Stop Oil também se expandiu para mais países, no mesmo mês de outubro, um homem colou a própria cabeça no vidro que reveste a Moça com Brinco de Pérola, de Vermeer, em um museu holandês. Mas o grupo não se restringe a galerias, já tendo bloqueado estradas e tentado impedir jogos de futebol e corridas de fórmula 1. Vale ressaltar que ele recebe financiamento do Fundo Climático Internacional, e tem como principal doadora Aileen Getty, neta e herdeira do magnata do petróleo Paul Getty.

Os ingleses não são os únicos nessa causa. Na Itália, o Ultima Generazione (Última Geração) também já realizou diversos “ataques” à museus: jogaram sopa de ervilha em um Van Gogh; colaram suas mãos à uma estátua da Roma Antiga, no Museu do Vaticano, e à outra futurista, em Milão; e usaram a tática da cola também contra a Primavera, de Botticelli, em Florença. O alemão Letzte Generation (também Última Geração, apesar de não ser o mesmo grupo), teve manifestantes que se colaram ao corrimão de uma exposição de fósseis de dinossauros e à moldura de uma pintura do renascentista Rafael, e que jogaram purê de batatas em um Monet.

Grupos menores e ativistas independentes agiram também em outras localidades, mas dois australianos chamam a atenção para o que pode ter sido a escolha mais questionável de obra usada para a manifestação. Membros do Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção, em tradução livre), colaram suas mãos à tela Massacre na Coreia, de Pablo Picasso, em uma galeria de Melbourne, e levantaram uma faixa que dizia “CLIMATE CHAOS = WAR + FAMINE” (caos climático = guerra + fome). A pintura do artista espanhol representa as atrocidades cometidas pelo exército dos Estados Unidos contra a população coreana durante a Guerra da Coreia. Parece controverso “atacar” em protesto uma obra de arte que também representa um protesto.

POR QUE ESSE TIPO DE PROTESTO É QUESTIONÁVEL?

Existem dois pontos principais que devem ser levados em consideração quanto aos efeitos negativos dessas manifestações, o do âmbito artístico, e o da esfera ambiental.

Em todas as ações promovidas por esses manifestantes, um mesmo discurso impera: “O que vale mais? A arte ou a vida?”. Realmente, obras materiais não podem ser mais valorizadas do que os próprios seres humanos e as condições necessárias para sua sobrevivência. Mas essa não é uma comparação justa. A arte e a vida não são antagônicas, de modo que seja preciso escolher acabar com uma para salvar a outra, afinal, a arte não se separa da vida porque ela é a vida. Todos esses quadros e estátuas nada mais são do que representações criadas pelos indivíduos de sua realidade.

Considerar a cultura como algo a ser desvalorizado é uma estratégia utilizada até hoje por governos fascistas, com o intuito de empobrecer o senso crítico da população. Na Alemanha Nazista, arte associada a movimentos modernistas era destruída por ser considerada “degenerada” – um exemplo de pintor atacado foi o próprio Van Gogh. Curiosamente, uma das ativistas que atirou a sopa no quadro do holandês foi vista fazendo um gesto associado a movimentos supremacistas brancos ao ser presa. Ainda que nenhuma obra tenha realmente sofrido danos depois dessas ações, diversos museus do mundo todo já repudiaram as ações dos ambientalistas e parecem se direcionar para o endurecimento de medidas de segurança, o que pode tornar o acesso aos acervos mais restrito e excludente.

Mas, talvez o ponto mais importante a ser debatido, é a repercussão que esse tipo de protesto tem levado para o ativismo ambiental. É inegável que a causa levantada por grupos como o Just Stop Oil deveria receber atenção dos governos, das grandes corporações e da própria população de modo geral. Os combustíveis fósseis, além de serem finitos, são responsáveis pela maior parte da poluição atmosférica e da destruição da biodiversidade do planeta. Entretanto, todas as manifestações desses ativistas ligadas à arte são bombardeadas por comentários negativos das autoridades e das redes sociais, que consideram os meios utilizados por esses grupos inadequados.

Porta-vozes do Just Stop Oil já afirmaram em pronunciamentos que apelaram para esse tipo de ação pois manifestações mais “pacíficas” não apresentaram nenhum resultado. Inúmeras petições e marchas já foram feitas, mas nada recebeu a mesma cobertura da mídia do que os “ataques” às obras de arte. Os meios de comunicação falham por levar ao público apenas o ativismo que traz repercussão negativa, pois faz com que as pessoas associem o ambientalismo sério à destruição de patrimônio. Eles colocam os holofotes sobre os europeus que não veem problema em atacar a cultura desde que cheguem a algum lugar, mas ofuscam os ativistas de comunidades indígenas que lutam contra o garimpo ilegal na Amazônia.

Então o que resta é o questionamento: trazer repercussão negativa para o ativismo ambiental é melhor do que deixar o assunto sendo pouco abordado pela mídia?

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O texto acima foi editado por Maria Esther Cortez.

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Juliana Sanches

Casper Libero '25

A journalism student with a passion for books and words since a young age. I adore creating art and am very interested in culture, entertainment and music :)