Basta dar play na primeira faixa do “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not” e na primeira faixa de “The Car” para perceber que Arctic Monkeys não apenas mudou seu som ao longo dos últimos 16 anos, como também acrescentou um toque de maturidade, vivência, corações remendados e, de vez em quando, uma orquestra ao fundo das músicas e dos palcos. Porém, não foi a partir do último lançamento da banda – “The Car”, difundido na última sexta-feira, 21 – que o vocalista Alex Turner se mostrou estar distante do garoto de 20 anos que pisou pela primeira vez no The Grapes, em Sheffield, com uma setlist carregada de covers do The Beatles, Fatboy Slim, The Undertones e The Strokes.
Na verdade, foi com “Tranquility Base Hotel & Casino” que a banda se mostrou mais próxima de um novo som: um lounge retrô, recheado de efeitos sonoros como resmungos eletrônicos, cintilância e apostas clássicas das bandas dos anos 60 e 70.
Maybe I was a little too wild in the 70s
Lamenta Turner em Star Treatment, a primeira faixa do penúltimo disco do grupo britânico
“The Car” traz consigo uma sequência desse mesmo som nostálgico, digno de restaurantes de hotelaria e jantares românticos ao cenário de luzes baixas e amarelas. O álbum se passa como uma viagem, como uma verdadeira estrada dentro de um carro antigo de cor apagada, mas com um rádio rangendo no painel. Em entrevista a Zane Lowe, do Apple Music, o vocalista confessou que, por ironia do destino, boa parte das letras que compõem o sétimo disco de estúdio do quarteto possuíam menções ao tal “the car”. Para não alterar cada música, Turner achou de bom tom nomear o disco com o nome curto, simples, mas instigante, que faz com que a banda coloque os fãs no banco de trás do carro.
Haunt you via the rear view mirror
O novo álbum segue um caminho contrário da música citada acima, guiando os fãs a um passeio sensual, romântico e honesto
Ao contrário do sexto álbum – abarrotado de referências a filmes cultos, o que é uma particularidade de Alex Turner, além das músicas antigas, menções aos astros e confissões sobre a indústria da música -, “The Car” se passa como uma coletânea de desabafos feitos nas entrelinhas e intensificados com os instrumentais potentes, com direito a violino, efeitos, vocais bem articulados e o clássico sotaque do norte da Inglaterra, cada vez mais arrastado do vocalista. O álbum, ouso dizer, parece o cruzamento perfeito entre “Tranquility Base” e “Suck it and See”, quando o quarteto ousou em uma pegada mais sedutora, crítica e irônica.
There’d Better Be A Mirrorball, o single que abre o disco – também o primeiro a ser lançado pelo grupo ainda em setembro – faz os fãs pensarem que estão embarcando em uma segunda temporada da série “Arctic Monkeys e os Anos 70”, porém não leva muito para perceber que Turner abre o coração e, sem timidez, desabafa sobre seus sentimentos mais intensos de forma nítida, sem se esconder atrás de metáforas complicadas. A faixa é, provavelmente, a melhor escolha da banda para um lead single; isso porque qualquer um consegue deitar na cama, fechar os olhos e se identificar com a vontade de ter seu coração compreendido por alguém.
So if you wanna walk me to the car? I’m sure to have a heavy heart. So can we please be absolutely sure that there’s a mirrorball for me?
Questiona o cidadão de Sheffield em uma voz arrastada, calma e um tanto quanto sofrida, mas persuasiva.
Apesar de I Ain’t Quite Where I Think I Am merecer um destaque pelos vocais expressivos do quarteto no começo da faixa, com o casamento perfeito entre as vozes de Turner e Matt Helders, a canção pode ser um pouco esquecida no meio de Mirrorball e o verdadeiro carro chefe do álbum: Sculptures Of Anything Goes. Em entrevista à rádio holandesa NPO 3FM (via NME), o vocalista confidenciou que, para ele, a faixa carrega resquícios do inesquecível álbum “AM”, que triplicou o oceano de fãs do grupo em pleno 2013.
Porém, pode ser apenas uma coincidência, pois a faixa surgiu quando o guitarrista Jamie Cook fez o som elétrico e estridente soar no estúdio ao colocar um sintetizador no instrumento. E é verdade: Sculptures enfeita o álbum tranquilo com uma poeira depressiva, escura, um tanto quanto amedrontadora, mas que reafirma que Arctic Monkeys rejeita qualquer rapidez na produção de suas músicas, se dedicando a cada uma com um olhar detalhista e, claro, genial.
Gasp and roll your eyes
Nessa onda um pouco spooky da faixa, Turner investe em um leve susto em seus ouvintes ao cantar este trecho com potência
Jet Skis On The Moat é a perfeita dança sensual, romântica e, ao mesmo tempo, triste de “The Car”. Com uma guitarra em tons apaixonantes, Alex implora respostas a alguém, ao mesmo tempo que oferece apoio, mas sem abandonar suas digressões práticas carregadas de metáforas.
Is there something on your mind? Or are you just happy to sit there and watch while the paint job dries?
Uma das metáforas presentes na música Jet Skis On The Moat
E Body Paint parece ser a aliada de Jet Skis ao manter alta a energia charmosa, falando da carnalidade de uma forma poética e, novamente, associada às artes. Pode ser que a tal pintura mencionada na faixa anterior seja o escorregador ideal para compreender Body Paint, o segundo single do álbum. Na música, Alex Turner fortalece seu sotaque como nunca, apostando em nuances agudas jamais vistas na voz do cantor anteriormente. E é com esse tom envolvente que o vocalista seduz os ouvintes.
The Car, a faixa que nomeia o disco, começa com um violão cintilante e uma melodia nostálgica que se arrasta até a próxima música, Big Ideas. É como se ambas estivessem amarradas em um pensamento íntimo demais para os fãs decifrarem exatamente a mensagem que o quarteto quer passar com a dupla de canções. Há alguns que dirão, até mesmo, que ambas são as filhas mais velhas de “Tranquility Base”, ainda transportando aquele som lounge na mala.
Agora, Hello You anima a aura filosófica com uma batida mais movimentada, brincando com um ritmo mais dançante e violinos contentes, perfeitos para uma coreografia atrapalhada na pista do hotel antigo e cinco estrelas que é o Arctic Monkeys. Porém, a bateria de Matt rapidamente é dissipada pela faixa Mr Schwartz que fez os fãs de “Submarine”, Mardy Bum e Cornerstone se arrepiarem.
A música traz de volta o bom e velho Alex Turner: ele e sua guitarra no meio do palco, mas com uma voz mais madura aos 36 anos e menos direto em suas declarações de amor, deixando as obviedades de lado. Mas o nome característico fez o vocalista ser questionado recentemente se o título é uma homenagem ao poeta Delmore Schwartz ou à banda Brinsley Schwarz. Porém, nenhuma resposta foi dada. Turner apenas garante que nenhum destes foi o premiado, sem revelar ao certo a história por trás da canção romântica que mexeu tanto com os fãs enraizados na banda.
Perfect Sense, a última faixa do álbum, fecha o disco com um toque de “Humbug”. Uma grande orquestra, o sotaque nórdico, guitarras quase escondidas e um desabafo depressivo finalizam “The Car” de forma grandiosa, provando que, novamente, Arctic Monkeys não é fã de interpretações simples ou de poucos instrumentos. Apesar de serem em quatro, a banda já ampliou seus reforços no palco, contratando novos músicos para compor a nova fase do grupo: uma passagem apenas de ida para este som inédito.
Acompanhe o novo álbum da banda através do link abaixo:
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O texto acima foi editado por Marcela Abreu.
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