Premiado no Festival de Cinema de Cannes como melhor roteiro, ganhando longos 11 minutos de aplausos, além de conquistar o coração da comunidade do Letterboxd se tornando o filme de terror mais bem avaliado no aplicativo em 2024 e com 91% de aprovação no Rotten Tomatoes, The Substance, filme dirigido e roteirizado por Coralie Fargeat é, sem sombra de dúvidas, um soco no estômago.
Demi Moore é Elisabeth Sparkle, uma vencedora do Oscar e um ícone hollywoodiano com sua própria estrela na calçada da fama. Ao completar 50 anos de idade, Elisabeth, já rebaixada como apresentadora de um programa de dança fitness, descobre que seu contrato não será renovado por estar “muito velha” para a televisão. Como se a demissão não fosse o bastante, a artista acaba parando no hospital, onde recebe um pendrive contendo um vídeo promocional de uma substância titular que despertaria uma versão melhor de si mesma.
Descartada pela indústria de entretenimento e instigada pela promessa de uma vida melhor, Elisabeth recorre a tal substância milagrosa. O kit que irá transformá-lá, contém uma fórmula de ativação e injeções para estabilizar sua “outra versão”. Nesse instante, temos as primeiras cenas do que o cinema chama de “Body Horror”. A personagem se contorce em extrema agonia, a pele se estica, a carne ganha um movimento assustador e vemos Sue, interpretada por Margareth Qualley, surgir do interior da ex apresentadora.
A narrativa ganha um ar mais assustador quando a versão “melhorada” decide não seguir às prescriçōes da empresa responsável pela droga. Vemos Elisabeth lentamente sofrer com fortes efeitos colaterais, apodrecendo por fora e por dentro, enquanto seu emocional se desestabiliza em completa preocupação e arrependimento.
The Substance mostra como as nossas decisões atuais podem afetar de forma negativa nosso futuro sem que possamos perceber seu impacto antes que seja tarde, mas acima de tudo escancara a busca incessante por uma perfeição que não existe em uma sociedade que cultua a juventude. Com cenas de nudez e figurinos decotados, a cinematografia expressa sem receio o quanto a hipersexualização do corpo feminino está de fato velada.
Interpretado por Dennis Quaid, Harvey, o chefe da rede televisiva que demite Elisabeth, é o exemplo perfeito da misoginia presente dentro e fora do ambiente de trabalho. A diretora acerta em cheio quando coloca em cena o personagem de forma exagerada, com a linguagem corporal de um predador constantemente caçando sua presa, uma mulher que segue seu ideal estético.
O filme abre margens para a criação de diversas teorias. A empresa responsável pelo experimento mantém contato apenas via telefonemas, e é nesse anonimato que pode surgir uma discussão sobre as atuais relaçōes midiáticas. Cotidianamente pessoas recebem comentários negativos e não solicitados sobre sua aparência e, com o passar do tempo, a atitude desses usuários, mesmo que desconhecidos, acaba por transformar alguém por completo.
Coralie causa um incômodo no momento que transforma a história em um espelho que reflete a obsessão da sociedade pela juventude. Enquanto Sue aparece sempre rodeada de cores vibrantes e muito brilho, Elisabeth vive dentro de casa em completa melancolia e escuridão, evidenciando a glamourização doentia da juventude e o enraizamento do etarismo.
Quando “O monstro”, junto com cenas sangrentas, aparece nas telas, é comum surgir um espanto e uma expressão de nojo por parte de quem está assistindo, mas são elas que exibem a problemática da falta de limites para a conquista e garantia de uma estética desejável. O terceiro ato serve como uma ressalva à constante insatisfação sofrida pela população feminina com a própria imagem, vítimas da pressão estética. Será “Substance” o Ozempic e Harmonização Fácil desse século?
A cinematografia consegue juntar o cômico e macabro com harmonia, dispõe de uma direção de arte e fotografia impecável, usando de forma brilhante a profundidade dos ambientes, além da atuação impressionante dos atores. Ainda assim, pode dividir opiniões, de um lado quem acredita que o encerramento tenha sido ideal, e do outro quem acredita ter se estendido desnecessariamente, com um “show de sangue”. The Substance é macabro, mas para as mulheres é pior, ele é incômodo, pois não existe nada mais agonizante do que saber que se é vista por muitos como um alimento prestes a perder a validade.
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O artigo acima foi editado por Fernanda Alves Davi.
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