Tarde da última sexta-feira de julho. Já é a quinta sexta-feira desde que ela se foi. A pequena cidade em que vivo está eufórica: há quatro semanas um maníaco está matando as prostitutas daqui, uma a cada sexta-feira. A cada uma que é morta meu coração congela pensando que pode ser ela.
O jornal de hoje estampava com letras gigantescas a manchete “QUEM SERÁ A PRÓXIMA VÍTIMA?” e propunha que todos fizessem guarda próximos ao cabaré. E eu tinha certeza que isso aconteceria de fato, não porque a população estivesse preocupada com as prostitutas, mas porque, ainda mais numa cidade minúscula como essa, as pessoas são, demasiadamente, bisbilhoteiras.
Estava no bar, mas resolvi não beber, queria acompanhar essa investigação popular totalmente sóbrio. Vi passar longos e negros cabelos. Por um instante, achei que era ela e, inevitavelmente, aquela sexta-feira me veio à cabeça.
Cheguei em casa e não a encontrei. Tudo que havia naquele lugar era meu. Dela só restou o cheiro, a lembrança e uma carta.
Eu a havia tirado da vida, a dei tudo que, por senso comum, é aquilo que uma mulher necessita. Casa, roupa, comida, conforto, amor. Mas ela não era comum, gostava e sentia falta da liberdade que só aquela vida podia lhe dar. Agradecia-me por tudo que um dia a proporcionei, mas ela era pássaro e queria voar. “Seja feliz!” foi o último que li naquele pedaço de papel.
Ignorei.
O relógio marcava vinte e uma horas. Minhas lembranças tanto dialogaram comigo no bar que nem reparei que o tempo voou. Já era o momento de começar a vigiar os entornos do cabaré. Nunca vi tantas pernas naquele lugar e até me diverti com isso. O maníaco atacava sempre por volta das vinte uma e trinta. Mas nessa sexta-feira ele não apareceu e meia-noite o povo cansou e foi embora.
Imagem: Tumblr
No caminho de casa reparei que o bar ainda estava aberto, então decidi que precisava me afogar no álcool para tentar esquecer. Havia sendo assim todas as sextas-feiras desde que ela me deixou para voltar à vida antiga. Chegava do trabalho, tomava banho e ia para o bar. Bebia tanto que não sei nem como acordava na minha cama na manhã seguinte. Sentia-me mal porque, ao levantar, não lembrava de absolutamente nada que tinha acontecido.
Uma da manhã e eu não conseguia nem ficar em pé. “Vamos fechar” me avisou o dono do bar. Levantei como pude e sai andando sem rumo. De repente vi os mesmos longos e negros cabelos passarem e, dessa vez, minha cabeça totalmente dominada pelo álcool não me permitiu distinguir quem era.
Saí correndo e gritando o nome dela. Quando a alcancei, entramos em algum lugar que não me lembro qual. Na verdade, não consigo me lembrar de mais nada agora.
Tudo preto.
Quando abro os olhos novamente, a luz do dia toma conta de mim. Mas eu não estou em casa como de costume. Ao olhar ao redor e montar o quebra-cabeça percebo que a peça que faltava para resolver o mistério era eu.
Na minha loucura de encontrá-la e tê-la novamente, bebia e saía a sua busca. A cada prostituta que não era ela, um pedaço morto em mim. A cada pedaço morto em mim, uma prostituta morria. E era eu quem as matava.
Mas ao ver que os longos e negros cabelos realmente eram os dela, em mim não houve espaço para arrependimentos ou lamentações. Se a cada uma que não era ela, um pedaço morto em mim, quando a “próxima vítima” foi ela, chegou o meu fim.
Manhã do último sábado de julho. Foi aí que realmente entendi o que é o inverno: quando tirei o calor da vida presente no meu corpo com a mesma arma que tirei o dela.