A arte é expressão humana, e usamos ela para tentar entender um pouco mais sobre nós mesmos desde os primórdios. Tendo surgido aproximadamente 25 mil anos antes de Cristo, no período do Paleolítico, a arte veio muito antes da escrita e até mesmo da fala, tendo utilidades essenciais à existência humana. No entanto, com o passar dos milênios, o surgimento das civilizações e dos sistemas de dominação político-sociais, a arte passou a ser deixada de escanteio, não mais vista em seu caráter essencial à existência.
O cenário no Brasil
Mais especificamente no Brasil, a arte vem sendo cada vez mais desvalorizada, sendo o auge desse processo a extinção do Ministério da Cultura em 2019, no início do governo de Jair Bolsonaro (PL).
Desde 2016, o Fundo Nacional de Cultura (FNC) teve seu orçamento reduzido em 91%. Porém, a situação parece se agravar durante os quatro anos de mandato de Jair. O relatório final do Gabinete de Transição de Governo – órgão que reune especialistas de diversas áreas para análise de dados na mudança de um governo para o outro – apontou que houve um retrocesso de 20 anos na execução orçamentária ligada à cultura durante o mandato de Bolsonaro. Seu governo, segundo o mesmo relatório, “virou as costas para a área cultural, cancelando editais, extinguindo políticas, descontinuando projetos, reduzindo sistematicamente o seu orçamento, perseguindo servidores, sucateando instituições e publicando atos normativos autoritários, que violam direitos e a diversidade cultural”.
Atualmente, após reabertura, o Ministério da Cultura é liderado pela cantora Margareth Menezes. Em fevereiro, após um mês de mandato, a Lei Rouanet – lei brasileira de incentivo cultural – já havia aprovado R$610 milhões em projetos.
Artista independente: um trabalhador autônomo
Mesmo com as tentativas de auxílio governamental na ampliação cultural no país, os artistas independentes acabam não sendo contemplados por esta iniciativa.
O artista independente é aquele que produz sua arte sem vinculação com instituições, de forma autônoma. Segundo o IBGE, o Brasil conta com 24,8 milhões de trabalhadores autônomos, que possuem direitos trabalhistas como aposentadoria, auxílio-doença, salário-maternidade e auxílio-reclusão, além de poderem atuar como pessoa física ou jurídica. No entanto, o profissional autônomo não possui uma renda definida, podendo variar de acordo com cada mês, e esse é o principal problema enfrentado pelos artistas independentes.
Conhecendo melhor a realidade
Para entender melhor como é ser um profissional da área no Brasil, A Her Campus Cásper Líbero entrevistou alguns artistas autônomos, com diferentes realidades e rotinas.
Normalmente, as primeiras manifestações artísticas acontecem já na infância, como relata o artista Diego Rosendo: “Era algo que eu fazia quando criança, meu pai já me incentivava. Mas era apenas uma brincadeira”.
Além do apoio familiar, a presença de outros profissionais na família também pode ajudar na formação do artista independente, como foi o caso do cearense Rene Melo: “Venho de uma família que trabalha com móveis, meu avô era fazendeiro e meu pai entrou no comércio. Eu aprendi muita coisa na fábrica de móveis em relação à dimensão e proporções. Me facilitou muito nas artes”.
Algumas pessoas escolhem por seguir uma graduação na área, como a Bruna Di Lorenzo, que atualmente cursa publicidade e abriu sua loja de artes. Bruna divide sua rotina: durante o dia trabalha na produção de suas artes, e à noite vai à faculdade. Diego trilhou o mesmo caminho, cursou design e atualmente tem uma loja virtual de cerâmicas, além de ministrar aulas.
O dia a dia do artista independente é muito variado. Por serem profissionais autônomos, têm a liberdade de montar a sua própria rotina de trabalho, de acordo com a disponibilidade e demanda. Mas em alguns casos, como o do artista urbano Kleber Pagú, a carga horária acaba sendo mais puxada do que a de um trabalhador de carteira assinada: “Eu trabalho normalmente mais do que cinco dias por semana e mais que oito horas por dia. Quando não estou produzindo trabalhos na rua, estou organizando e planejando eles”.
No geral, os artistas se sentem valorizados pelo trabalho que produzem. Principalmente por meio das redes sociais, onde o carinho e admiração por suas obras são evidentes. Porém, apenas a admiração não paga as contas, então alguns artistas optam por outras fontes de renda, além da arte. No Brasil, os últimos anos vêm sendo difíceis para a população, com a pobreza atingindo níveis elevados, a fome e a miséria se tornando realidades cada vez mais recorrentes, o preço de tudo está aumentando, inclusive o dos trabalhos artísticos, que estão cada vez mais caros de se produzir.
Isso aliado ao sucateamento da cultura, faz com que as pessoas não considerem consumir arte como algo essencial no cotidiano, já que têm outras prioridades e contas para pagar, fazendo com que o mercado consumidor desses artistas seja prejudicado.
Estar em uma região que tenha uma rede de artistas é essencial para o avanço e bom desenvolvimento do artista independente. Ter uma comunidade torna o processo mais leve, relata Pagú. “Comecei a olhar para a cidade como o suporte artístico mais democrático possível. Foi aí que comecei a produzir diversos artistas nestes espaços como Minhocão, Consolação e Paulista”, disse.
Diego concorda, já que sua experiência também envolve uma comunidade artística: “O que acho legal daqui é que tenho contato com mais culturas e mais pessoas, e isso me engrandece como artista”.
Afinal, vale a pena ser artista independente no Brasil?
“Se vale a pena mais que em outros países? Não, não vale… mas ser artista e mulher brasileira é uma honra”, respondeu Bruna.
Mesmo que o retorno não seja aquele que os artistas merecem – como disse Pagú: “Ainda não atingi o ponto de remuneração que considero equivalente ao meu trabalho” – trabalhar com aquilo que ama faz todo o esforço valer a pena.
Diego aconselha quem pretende seguir no mundo artístico: “Se for como investimento financeiro, talvez seja arriscado. Mas se a arte anima seu espírito, eu consideraria esse caminho”.
Para algumas pessoas, a arte se torna fundamental em muitas etapas de sua história, como foi o caso de Rene, que pasava por um momento difícil de separação dos pais quando começou a fazer arte. “Através dela eu tive uma compreensão melhor”, contou.
“Ajudou muito na educação dos meus filhos, na minha casa, na convivência com minha esposa. Houve um equilíbrio, e as artes ajudaram muito, porque eram como uma terapia. Através das artes eu conseguia manifestar meus sentimentos, a minha habilidade, tive uma boa aceitação”, finalizou.
“É algo que me dá vontade de levantar da cama e me dedicar ao máximo. Sei que muito depende de mim, mas nesse ramo aparece muita gente no caminho pra ajudar, pelo menos essa é minha experiência. Viver fazendo isso me resgatou como pessoa, consigo estar mais tempo com os meus”, relatou Diego.
Assim como todas as outras profissões, ser um artista autônomo tem seus altos e baixos. Se você se interessa por arte, gostaria de trabalhar ou seguir com esse caminho, vale a pena se organizar, buscar outros artistas que te guiem e apoiem, e investir naquilo que ama.
“Escolha um trabalho que você ama e você não terá que trabalhar um dia sequer na vida”, Confúcio.
Que tal acompanhar e apoiar esses artistas que dividiram conosco suas histórias e vivências no mundo da arte? Segue abaixo o Instagram de cada um deles :)
Bruna Di Lorenzo- @brunadilorenzo_
Diego Rosendo – @diegorosendo
Kleber Pagú – @kleberpagu
Rene Melo – @renefmelo
O texto acima foi editado por Anna Goudard.
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